Crônica numa hora dessas?


Publicado no dia 16/08/2021 na Gazeta do Sul




 

“Pensar faz bem, então vamos pensar um pouco sobre...”. Assim Mário Sérgio Cortella inicia seu comentário diário na Rádio CBN. Ouço a coluna todas as manhãs e tiro proveito delas, sempre trazendo citações de filósofos, sociólogos, historiadores e escritores. Não sou um leitor do Cortella, mas reconheço sua importância pela popularização das reflexões filosóficas, com participações inclusive no Domingão do Faustão. Na mesma senda está Luiz Felipe Pondé, cujo trabalho acompanho bem mais, sendo que até resenhei alguns de seus livros. Eles conseguem fazer chegar a Filosofia a pessoas comuns sem diminuí-la e despertam debates sobre temas importantes do cotidiano, sem deixar de lado o pensamento mais complexo. O Pondé, mais especificamente, diz o que pensa sem se preocupar em receber elogio ou ser cancelado.

O mesmo não acontece na minha área de atuação, a Literatura. Com algumas exceções, quando surge alguém que escreve e comenta livros na mídia, em programas de entretenimento na TV e em vídeos na internet, acaba nivelando por baixo o fazer literário. Poetas com rimas paupérrimas, cujos temas beiram a autoajuda, dicas relâmpago de livros em que apenas se reproduz o release da editora, elogios exagerados a novos autores que seguem fórmulas de sucesso, desprezo pela elaboração artística em favor de destacar temáticas ideológicas e militantes, “críticos” e resenhistas não tendo nenhum cuidado com a criação dos textos, repletos de erros ou abreviações do “internetês”, em busca de uma linguagem descolada (se usa essa palavra ainda ou estou sendo “cringe”?), feiras literárias que não têm preocupação com a qualidade de seus convidados, mas sim com a potencialidade que eles têm de “lacrar” nas redes sociais, e por aí vai.

Escrever crítica séria, que leve em consideração todos os aspectos que envolvem o trabalho do escritor, uma crítica que critica quando tem que criticar e elogia quando tem que elogiar, não é mais valorizada, a começar pelo pouquíssimo espaço nos grandes jornais, cujos textos nos cadernos culturais geralmente são matérias jornalísticas, misturando pequenos comentários sobre a obra e entrevistas com o autor, privilegiando neste caso suas opiniões sobre a política no país, gerando manchetes sensacionalistas. Os jornais e revistas exclusivamente literárias seguem a mesma toada, valorizando mais o que pensa ideologicamente o escritor, em qual minoria se encaixa e se tem uma história de vida muito sofrida e tal. Da mesma forma nos sites da internet. As exceções à regra são escamoteadas e não repercutem.

Também não se fazem mais cronistas como antigamente. Os atuais colunistas de jornais não fazem crônica. Acabo lendo quase que somente os antigos, que saíram das páginas de jornal para as páginas dos livros. Rubem Braga, Fernando Sabino, Drummond, Paulo Mendes Campos, só para citar o quarteto que fez minha cabeça através da coleção “Para gostar de ler”, deixaram alguns herdeiros, mas que não têm o espaço merecido.

Talvez o último grande seja o Luis Fernando Verissimo, cuja saúde debilitada vem nos roubando suas crônicas. Escreveu ele: “Não sei para onde caminha a humanidade. Mas quando souber, vou para o outro lado”. Sábio conselho de um mestre.

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