Crônica numa hora dessas?
“Pensar faz bem, então vamos pensar um pouco sobre...”.
Assim Mário Sérgio Cortella inicia seu comentário diário na Rádio CBN. Ouço a
coluna todas as manhãs e tiro proveito delas, sempre trazendo citações de filósofos,
sociólogos, historiadores e escritores. Não sou um leitor do Cortella, mas
reconheço sua importância pela popularização das reflexões filosóficas, com
participações inclusive no Domingão do Faustão. Na mesma senda está Luiz Felipe
Pondé, cujo trabalho acompanho bem mais, sendo que até resenhei alguns de seus
livros. Eles conseguem fazer chegar a Filosofia a pessoas comuns sem diminuí-la
e despertam debates sobre temas importantes do cotidiano, sem deixar de lado o
pensamento mais complexo. O Pondé, mais especificamente, diz o que pensa sem se
preocupar em receber elogio ou ser cancelado.
O mesmo não acontece na minha área de atuação, a Literatura.
Com algumas exceções, quando surge alguém que escreve e comenta livros na
mídia, em programas de entretenimento na TV e em vídeos na internet, acaba nivelando
por baixo o fazer literário. Poetas com rimas paupérrimas, cujos temas beiram a
autoajuda, dicas relâmpago de livros em que apenas se reproduz o release da
editora, elogios exagerados a novos autores que seguem fórmulas de sucesso,
desprezo pela elaboração artística em favor de destacar temáticas ideológicas e
militantes, “críticos” e resenhistas não tendo nenhum cuidado com a criação dos
textos, repletos de erros ou abreviações do “internetês”, em busca de uma
linguagem descolada (se usa essa palavra ainda ou estou sendo “cringe”?),
feiras literárias que não têm preocupação com a qualidade de seus convidados,
mas sim com a potencialidade que eles têm de “lacrar” nas redes sociais, e por
aí vai.
Escrever crítica séria, que leve em consideração todos os
aspectos que envolvem o trabalho do escritor, uma crítica que critica quando
tem que criticar e elogia quando tem que elogiar, não é mais valorizada, a
começar pelo pouquíssimo espaço nos grandes jornais, cujos textos nos cadernos
culturais geralmente são matérias jornalísticas, misturando pequenos comentários
sobre a obra e entrevistas com o autor, privilegiando neste caso suas opiniões
sobre a política no país, gerando manchetes sensacionalistas. Os jornais e
revistas exclusivamente literárias seguem a mesma toada, valorizando mais o que
pensa ideologicamente o escritor, em qual minoria se encaixa e se tem uma
história de vida muito sofrida e tal. Da mesma forma nos sites da internet. As
exceções à regra são escamoteadas e não repercutem.
Também não se fazem mais cronistas como antigamente. Os
atuais colunistas de jornais não fazem crônica. Acabo lendo quase que somente
os antigos, que saíram das páginas de jornal para as páginas dos livros. Rubem
Braga, Fernando Sabino, Drummond, Paulo Mendes Campos, só para citar o quarteto
que fez minha cabeça através da coleção “Para gostar de ler”, deixaram alguns herdeiros,
mas que não têm o espaço merecido.
Talvez o último grande seja o Luis Fernando Verissimo, cuja
saúde debilitada vem nos roubando suas crônicas. Escreveu ele: “Não sei para
onde caminha a humanidade. Mas quando souber, vou para o outro lado”. Sábio
conselho de um mestre.
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