Não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aprendi nas redes sociais

 


(O texto foi publicado no dia 22/07/20023, no jornal Gazeta do Sul.)


(por Cassionei Niches Petry)

 “É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem” é um verso, é uma letra de música, é poesia. Seu autor, um artista, era culto, irônico, inventivo e um ser humano com todos seus defeitos e incoerências. Tenho certo orgulho em dizer que ele viveu seus últimos dias na minha cidade. Como todo artista, ele é idealizado por seus fãs e também por pretensos admiradores que detém o monopólio de entendê-lo e têm certeza, mais do que a própria família, do que ele pensaria hoje sobre determinado assunto.

A dona da voz que ajudou a imortalizar o verso também era uma artista e um ser humano com todos os seus defeitos e incoerências. Dizia o que queria e causava polêmica, não baixava a cabeça, criticava os que governavam o país durante o auge de sua carreira. Tenho orgulho de dizer que é gaúcha como eu. Como todo artista, é idealizada por seus fãs e também por pretensos admiradores que detém o poder de entendê-la e têm certeza, mais do que a própria família, do que ela pensaria hoje sobre determinado assunto.

Pois esses especialistas em tudo nas redes sociais, ajudados por gente inteligente e culta que, como todo ser humano, é incoerente, critica uma propaganda de uma marca de carros por ter usado a música de Belchior e a voz e a imagem (através da IA) de Elis Regina, sendo que eles eram contra o capitalismo, a ditadura e a opressão que a empresa apoiou. Ao que parece, essas pessoas andam em automóveis específicos, imaculados, de marcas que não são do império capitalista americano ou que não tiveram ligações com o fascismo na Itália ou apoiaram o nazismo. Jamais andaram em um Fusca, um Monza, um Uno, por exemplo.

Outro ponto é justamente a idealização de artistas, principalmente os já falecidos. Quando lemos sobre a vida de quase todos eles, nos damos conta que muitas vezes suas obras não representam o que criam ou interpretam. Toda a arte é ficção, não é real, embora possamos, como apreciadores, interpretá-la de várias formas. “Como nossos pais” pode ser uma crítica a uma geração, como também pode ser uma crítica ao “vil metal”, embora compositor e cantora lucraram muito com a canção, assim como seus herdeiros, que aprovaram sua utilização no comercial e até participaram, no caso Maria Rita, filha da cantora. Ah, esses artistas não recusavam se apresentar numa emissora de televisão que apoiou a ditadura e também faz tudo pelo “vil metal”!

A letra da música pode ser uma crítica a ”você que ama o passado”, aos chatos da internet que ainda são e vivem “como nossos pais”, que acham que ainda “somos jovens” e que “nossos ídolos ainda são os mesmos”. Mas “as aparências não enganam, não”. Os ídolos continuam “contando os seus metais”.

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