Ficções de um escritor fictício
por Cassionei Niches Petry
Quando se diz que vivemos numa bolha, penso, na
verdade, que vivemos em cápsulas, que são mais resistentes: não é qualquer objeto
pontiagudo que as fure. Os contos de Marcio Renato dos Santos, reunidos
justamente sob o título Cápsulas, bifurcações e overdrive (Tulipas
Negras Editora, 98 páginas), trazem personagens em seus mundos fechados, sejam
apartamentos, carros e até em seus próprios sonhos, e de como é difícil
entendê-los em sua solidão. No conto “Proatividade inútil”, por exemplo, o
narrador diz que “Silvo anda, segue e não sai de onde está”, e conclui que ele
está “dentro de uma caixa fechada (...), de um caixão de onde não consegue sair,
por mais que se esforce (...)”.
O gênero conto é, por sua vez, uma cápsula. Algo
pequeno que contém algo potente: um remédio que nos ajuda a enfrentar os nossos
males ou algo explosivo que mata. O personagem de “18:13 e sozinho”, por
exemplo, vê-se às voltas com medicamentos para dormir e munições facilmente
encontráveis em supermercados numa cidade que parece encarar com facilidade a
morte dos outros. A explicação para esse estranho lugar pode estar em outro
conto, “Ao som dum gramofone blue”.
Mas o título também traz a palavra “bifurcações”, o
que nos remete a ambiguidade do texto literário, como se o escritor fizesse o
leitor escolher entre duas cápsulas, das cores das pílulas de Matrix. Em
“Cápsula 2023”, por exemplo, Melina, uma Capitu moderna, quer trair seu marido
ou tudo não passa da imaginação ciumenta de Rômulo-Bentinho? Mais uma
intertextualidade com Machado, o que Marcio Renato dos Santos faz com
frequência em suas histórias, basta lembrar seu livro anterior, Candongas
não fazem festa, que nos remete ao clássico conto do Bruxo do Cosme Velho,
“Um homem célebre”.
Bifurcações também podem ser as das ruas (de
Curitiba?), cenário que aparece em alguns contos, como no início de “Roan
precisa de trabalho”, em que um detetive, quando está indo ao encontro de um
suposto cliente, observa, de dentro do sua cápsula, digo, carro, um malabarista
no sinal vermelho. Em “Farelo”, as ruas são de uma cidade fictícia, Entreposto,
onde o protagonista, cujo nome dá título à narrativa, diz que quer “brilhar,
fazer e acontecer” e encontra um certo Senhor Who que propõe, para que o
sujeito atinja seus objetivos, a assinatura de um contrato em uma encruzilhada.
Mais uma referência intertextual bem executada pelo escritor.
O livro fecha com os contos “Fora do imaginado porvir” e “Aqueles”. Em ambos, o protagonista é um escritor chamado Santiago Maria Paes, que escreve textos para outros escritores assinarem. O que me deixou com uma pulguinha atrás da orelha. Pesquisando sobre o nome da editora do livro, Tulipas Negras, que seria de propriedade do próprio autor, descobri que tem a ver com uma confraria de homens que se vestiam de mulher, alguns realmente gays, em Curitiba, nos anos 50, e cujos membros seriam de pessoas importantes da alta sociedade. Um conto de Dalton Trevisan, “Em busca de Curitiba perdida”, cita a tal sociedade secreta. Ou seria essa história apenas ficção? Nas páginas de créditos do livro, inclusive, consta o seguinte endereço (fictício) da editora: Avenida Newton Sampaio, s/n, Bairro Jamil Snege, Curitiba – Paraná. Marcio Renato dos Santos também seria uma ficção e seu nome verdadeiro é Santiago Maria Paes? Ou é este quem escreve os livros (quase um por ano) assinados pelo outro? Ou ambos são, na verdade, Dalton Trevisan (este resenhista já o chamou de herdeiro do vampiro)?
E esta resenha, não seria escrita pelo próprio escritor (para disfarçadamente se autopromover), mas assinada por Cassionei Niches Petry?
Outras resenhas sobre os livros do autor escritas pelo dono deste blog (até prova ao contrário):
Sobre Finalmente hoje: https://cassionei.blogspot.com/2016/05/contos-de-espera.html
Sobre Outras dezessete noites: https://cassionei.blogspot.com/2017/03/com-espada-no-pescoco.html
Sobre A cor do presente: https://cassionei.blogspot.com/2019/04/herdeiro-do-vampiro.html
Comentários