Tempo de ler Menalton Braff




Reli, depois de muito tempo, o livro de contos
À sombra do cipreste, de Menalton Braff. Quando recebeu o Jabuti de Livro do Ano - Ficção de 2000, causou muita surpresa no meio literário o fato de a obra ser de uma editora independente, a Palavra Mágica, e seu autor ter, na época, mais de 60 anos e ser desconhecido do público leitor. Somaram-se a isso mais algumas curiosidades de sua vida, como o de ser um professor que viajava milhares de quilômetros semanalmente para lecionar em diferentes escolas no interior de São Paulo. Nas duas últimas décadas, Menalton comprovou seu talento com uma sucessão de romances e livros de contos do mais alto grau artístico, lançados por grandes editoras.

Sem sombra de dúvida, com o perdão do trocadilho infame, À sombra do cipreste mereceu todas as honrarias, embora tenha sido um pouco esquecido nesse tempo todo. Em tempo, a Reformatório, com catálogo impressionante para uma editora ainda pequena, reedita o livro, proporcionando uma oportunidade de novos ou velhos leitores conhecê-lo ou relê-lo.

O que mais chamou a atenção deste leitor que não tem mais tempo para muitas leituras e muito menos escrever sobre elas, foi justamente a questão do tempo. Cronos é soberano nas narrativas, assim como as Parcas e outras divindades gregas que nos remetem ao tempo que passa inexoravelmente e seus reflexos. No primeiro conto, que dá título à obra, temos o tema da velhice: uma senhora vê o fim de sua vida se aproximando, simbolizado pela aproximação da sombra de uma árvore. Em “Adeus, meu pai”, a morte e as consequências para os que ficam. Em “Anoitando”, é questão de tempo para a mulher se entregar às investidas de um homem. Em “Concerto para violino” (vale frisar que a música é uma chave importante para a interpretação dos contos), um homem espera por bastante tempo que uma mulher reapareça na porta de um edifício. Em “Crispação”, o tempo que acabou com o amor do casal. “Domingo”, sobre o tempo que passa rapidamente, tem uma narração sem ponto nem vírgula. Em outro conto, um assassino, enquanto espera a vítima, pensa sobre o tempo que passou.

Assim se sucedem as histórias, sempre mencionando o tempo, como nessa passagem de um dos melhores contos, “O relógio de pêndulo”:

“O relógio de pêndulo, da sala, atravessa a casa com duas badaladas, e pergunto a meu irmão se não quer descansar um pouco, os quartos como antigamente. Ele diz que não, que não vale a pena, apesar das marcas que o sono vai deixando em seu rosto.

O relógio da matriz confirma as horas, como sempre com uns dois minutos de atraso. Nada vejo no pulso de Abelardo, não sei se para ele faz alguma diferença a passagem do tempo.”

Talvez pela necessidade de compartilhar com o leitor a satisfação de ver a alta literatura ainda tendo seu lugar no mercado editorial ou talvez por simplesmente registrar uma leitura para não esquecê-la, arrumei um tempinho nessa vida tão corrida de professor (sim, também sou professor como foi Menalton, e já tive que percorrer alguns quilômetros fora da minha cidade para lecionar) para voltar a escrever uma quase resenha. É que também fui convidado pelo Mauro Ulrich, ou melhor, convocado, diria até ameaçado, com arma na cabeça e tal, para colaborar com o jornal Sarau (a rima não foi proposital). Como devo muito a esse sujeito (que cortou o cabelo, mas não perdeu a força), estou empregando muito bem o meu precioso tempo.



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