Salve, Jorges



por Cassionei Niches Petry

Agora Agora, de Carlos Eduardo Pereira  (Editora Todavia, 213 páginas), é um romance sobre o hoje, o ontem e o anteontem de uma família negra carioca. Gira em torno de três Jorges, de três gerações diferentes. O nome dos personagens, por certo, não é aleatório. O santo, que no sincretismo religioso brasileiro é denominado Ogum, o orixá guerreiro, é fonte de devoção de boa parte da população afro-brasileira por representar a força de resistência de um povo oprimido.


Na primeira parte, temos o Jorge Ferreira Neto, professor, narrando sua história em primeira pessoa, numa fala a um interlocutor que seria seu antigo colega num colégio militar, mas que não sabemos se está realmente presente. O que iremos saber é que esse outro personagem participou, de certa forma, de um evento traumático que aconteceu no estabelecimento de ensino. Nas partes seguintes, o próprio Neto narra as histórias de seu pai e do seu avô.


A parte dois trata do primeiro Jorge Ferreira, que no início do século XX, mantinha um clube na cidade de Nova Friburgo, onde apenas negros podiam entrar e onde funda uma escola de samba, que será a segunda casa de parte da família (somente Neto acabaria nao seguindo a tradição. Amante das artes (inclusive tenta encenar uma peça teatral), é um sujeito incompreendido. O clube, diga-se, se chama “Grito da mocidade”, que simbolicamente representa o grito de liberdade dos negros.


A derradeira parte nos apresenta Jorge Ferreira Filho, que trabalha numa empresa de construção como encarregado de obra, dá continuidade à tradição carnavalesca e, por fim, leva o filho, Jorge Neto, ao colégio preparatório da FAB. Então a história se volta mais uma vez para o narrador e sua dura experiência como calouro. É a parte mais dolorosa, para o personagem e para o leitor. Não há como não sofrer junto com ele as injustiças cometidas pelos mais velhos ou pelos militares superiores, numa época em que o Brasil recém havia saído da ditadura.


Agora agora é o segundo romance de Carlos Eduardo Miranda. O primeiro, Enquanto os dentes, já foi resenhado aqui no blog (https://cassionei.blogspot.com/2018/10/travessia.html). Ambos tratam das agruras do racismo e também têm em comum a influência, negativa ou positiva, da figura do pai, às vezes ausente. Quando é deixado na porta do colégio interno, Jorge Neto nos mostra a indiferença de seu pai em relação a ele: “Meu pai não diz nem que não nem que sim. Apenas dá um beijo em minha testa, dá meia-volta e vai embora.”

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