Novo romance do novo Nobel
por Cassionei Niches Petry
No
último volume de Minha luta, Karl Ove Knausgård conversa sobre
Jon Fosse com uma amiga tradutora. Para Knausgård,
os primeiros romances do escritor norueguês, que acaba de receber o Prêmio Nobel
de Literatura de 2023, eram “cheios de neurose e de pânico, e acabou
descrevendo o mundo como ele realmente é, escuro e aberto”. Não conheço as
outras obras do autor, porém sua última narrativa, Brancura (Editora
Fósforo, 64 páginas, tradução de Leonardo Pinto Silva), tem esses elementos
presentes.
Lançado
neste ano, o livro é breve em páginas, porém extenso no teor narrativo. É um
monólogo (lembrando que Jon Fosse se notabilizou como dramaturgo) em que um
sujeito conta que sai de carro sem um destino pré-determinado, motivado apenas
pelo tédio. É outono, anoitece e começa a cair uma nevasca. Sem ter como dar o
retorno, para o carro diante de uma floresta negra: “cá estou eu agora sentado, pensei, e me senti vazio,
como se o tédio tivesse se transformado num vazio.” O personagem vive uma
angústia existencial e essa escapada sem rumo é um símbolo dessa existência
conturbada, embora ele diga em certo momento: “se agora tenho de me manter
longe de alguma coisa, é de metáforas. Essa escuridão me amedronta. Tenho medo,
é simples assim.”
Não há, no entanto, como fugir das interpretações simbólicas.
Saindo do carro e tentando escapar da brancura da neve, ele se depara com o escuro
em todos os lados: “Fito o pretume da escuridão, é como se nada pudesse ser
visto, apenas o breu. Olho para cima, para o alto, e vejo um céu negro sem
estrelas.” A partir daí começa a ter visões (“Está tão escuro agora, mais
escuro não pode ficar, e bem na minha frente avisto a silhueta de alguma coisa
que parece uma pessoa. (...) Uma silhueta branca.)” e ouvir vozes bem conhecidas,
que o remetem a algum conflito familiar não resolvido ou um trauma da sua infância
relacionado mais precisamente ao seu pai e à sua mãe.
Chevalier e Gheerbrant, em Dicionário de símbolos, destacam,
entre outros significados, que o branco representa “ora a ausência, ora a soma
das cores”, por isso “coloca-se às vezes no início e, outras vezes, no término
da vida diurna”. O personagem estaria no fim da vida ou renascendo, se
transformando? A cor preta, de acordo com os alquimistas, “indicaria a fase inicial
de uma evolução progressiva, ou inversamente, o grau final de uma evolução regressiva”.
De certa maneira, essa ambiguidade proporciona, para o leitor, dúvidas quanto
ao que está lendo, por isso a leitura se estende para além das 64 páginas do
breve romance. Como diz o narrador: “São só palavras. Mas há palavras e
palavras.”
Confesso que, por gostar de metalinguagem, interpretei
em muitos momentos a brancura da neve como a página em branco e a escuridão da
floresta como a alma conturbada do escritor. As aparições e as vozes são as musas
que tentam soprar no ouvido do artista o que ele deve escrever ou então as
lembranças do indivíduo que tentam preencher esses espaços em branco.
Jon Fosse faz jus a um prêmio tão relevante, embora
muitos outros gigantes mais conhecidos mundialmente estejam ficando para trás.
Comentários