Sobre "O segredo das lantanas", de Rafael Martins

 

Nem tudo são flores

por Cassionei Niches Petry


Escrever sobre a obra de um estreante é um desafio. Esse desafio dobra quando o escritor oferta o seu livro para um resenhista desconhecido como este que assina estas linhas. Em meio a pouco espaço que a grande mídia ou sites mais relevantes dão, os autores, às vezes através de agentes literários, encontram em alguns críticos obscuros uma tentativa de fazer sua obra aparecer. Sinto-me constrangido se não cumpro a tarefa, apesar de nunca prometer nada. É que eu mesmo estou desmotivado e já estou ensaiando parar há um bom tempo. Alguns livros que chegam aqui à toca, porém, me provocam a escrever alguma coisa. É o caso do romance O segredo das lantanas, de Rafael Martins, publicado em 2022.


A primeira parte é narrada pelo protagonista, Humberto. Precisando dormir para acordar cedo, de acordo com sua vida regrada, encontra alguns obstáculos. Primeiro a esposa, que teima em fazer atividades domésticas no horário em que ele vai para a cama ou então puxar algum assunto sem interesse quando ela vai deitar também. Depois, seus pensamentos, suas culpas não resolvidas, seus traumas de infância, sua família com um passado nada exemplar, tudo se soma para uma madrugada mal dormida. Cada capítulo leva como título um horário em que acorda ou quando está em estado de vigília, inclusive três da madrugada, a “hora do diabo”. Os sonhos se misturam com a realidade e cenas de sua vida retornam para atormentá-lo até um ponto de angústia terrível, que o leva ao extremo das emoções.


Nessas poucas horas, é narrada a história de sua família ou, pelo menos, daquilo que ele se lembra, deixando de lado o que tenta esquecer ou mesmo esconder. Seu avô, cuja maldade, embora apenas sugerida, acaba chocando o leitor; a mãe que esconde de Humberto a identidade do seu pai; a tia, que ele espia tomando banho ou trocando de roupa. Todos viviam na casa onde ele vive agora, mas não se sabe o que realmente aconteceu com cada um deles. Mora agora com a esposa, Carolina, que foi se chegando pedindo favores e acabou se instalando na casa junto com a filha de outro casamento, Patrícia, uma menina que corta os braços e sofre calada com algo que nos é revelado aos poucos.  No quintal, estão as plantas, principalmente as lantanas, cuja característica é seu colorido, mas cujo segredo que esconde é sombrio.


Na segunda parte, a narração é na terceira pessoa, com foco na esposa. Muitas pontas são fechadas, porém outras são deixadas para o leitor amarrar. A tensão da primeira parte, a partir do monólogo de Humberto, dá lugar a diálogos e cenas que nos mostram os desdobramentos do que aconteceu na madrugada. Algumas verdades são jogadas na cara do leitor, enquanto outras são ainda escamoteadas e sugeridas num arremate que dá uma reviravolta no enredo.


Uma estreia promissora de Rafael Martins, advogado, nascido em 1982, em Campinas, São Paulo. O segredo das lantanas tem 102 páginas e é editado pela valente Patuá.


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