Paciência, professor!

 

Meu texto na Gazeta do Sul de hoje.

Paciência, professor!

A ira é considerada a primeira palavra da literatura ocidental (Peter Sloterdijk, no livro Ira e tempo, vai além, e diz que é a primeira da Europa!), visto que inicia, no original grego, os 15 mil versos da epopeia Ilíada, de Homero. Nas traduções, a palavra é deslocada: “Canta, ó musa, a ira de Aquiles”. No principal livro dos cristãos, a Bíblia Sagrada, mais precisamente no Antigo Testamento, seu principal personagem, Deus, demonstra sua ira contra os pecados dos homens em várias passagens, como as referentes ao dilúvio ou às pragas: “Deus é juiz justo, um Deus que se ira todos os dias. Se o homem não se converter, Deus afiará a sua espada; já tem armado o seu arco, e está aparelhado (Salmos, capítulo 7, versículos 11 e 12).
Só nesses dois momentos da nossa herança cultural já temos uma explicação sobre como somos tão belicosos. Tudo é motivo para raiva, ódio, brigas, discórdia, guerras. Um simples jogo de futebol desencadeia conflito, a política nos enraivece, a disputa por terras causa mortes. Desde as telenovelas, passando pelos reality shows, letras de música, redes sociais, trânsito, conflitos religiosos, tudo está permeado pela ira. Quem nunca teve seu dia de fúria?
Quando nascemos, entramos chorando de raiva nesse mundo, pois somos tirados da paz do útero materno, onde recebemos alimento e dormimos sem as preocupações da vida. Vivemos boa parte da nossa existência enfurecidos por alguma coisa. A irritação é uma constante e a colocamos sempre na conta do outro. “O senhor está bravo, professor?”, me pergunta um aluno em sala de aula, e eu respondo: “Vocês é que me deixam bravo!”
Um dos sete pecados capitais, a ira tem como oposto a virtude da paciência. Se acreditasse em algum deus, pediria a ele que me desse mais paciência sempre. Às vezes, como na canção de Lenine, “eu finjo ter paciência”. Escrever crônicas como esta me ajuda a ter paciência, mesmo se o assunto provoque ódio. Ler filósofos como os estoicos, cujo pensamento é tão deturpado pelos coachs hoje em dia, também auxilia. Sêneca, em Sobre a ira, ensina a seu irmão Galião que “essa paixão, de todas a mais terrível e violenta”, pode ser atenuada. Questiona, por exemplo: “Que necessidade há de virar a mesa, atirar copos, jogar-se contra colunas, arrancar os cabelos, bater na coxa e no peito?”. E afirma: “Nada obtenha por força da ira: o que lhe tenha sido negado ao chorar seja-lhe oferecido ao mostrar-se em calma”.
Ou como diz o velho ditado: “Paciência (ou cautela) e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.
Cassionei Niches Petry – professor e escritor

Comentários

Pazos disse…
A própria Bílbia no novo testamento, mostra Jesus em ira através da estória da figueira.

Infelizmente não me lembro a obra, mas já vi a anos atrás a ira não sendo representada como copos atirados ou arrancar de cabelos e sim como uma névoa. Achei interessante a visão do artista e me lembro das vezes em que tomei decisões erradas porque as fiz quando estava irritado.

Gostei do seu texto Cassionei, obrigado!

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