Casos do acaso



Meu texto no jornal Gazeta do sul de hoje.

 Casos do acaso

Paul Auster, escritor norte-americano que morreu em abril deste ano, levava muito em conta o acaso em sua obra de ficção e em sua própria vida. Em O caderno vermelho, traz vários relatos reais que explicam essa obsessão, como a vez em que um raio caiu em um colega a sua frente durante um acampamento escolar. Fosse ele o atingido, não haveria o grande escritor. “Nada era real a não ser o acaso”, reflete um personagem de A trilogia de Nova York. “O mundo é guiado pelo acaso”, diz o narrador de Noite do oráculo. Adquiri esse livro pela internet e, por acaso, tem um autógrafo do Auster. Obrigado a um tal de Miguel, que de se desfez de seu exemplar autografado, e também ao livreiro distraído.
Andando pelo centro da nossa ainda provinciana Santa Cruz do Sul, fui atravessar a rua na faixa de pedestres, esperando, claro, que um carro parasse e “me desse a vez”. Quis o acaso, porém, que um velho amigo (sim, por incrível que pareça, eu os tenho) sentado numa mesa de bar gritasse o meu nome o que me fez olhar para trás e diminuir o passo. Foi o tempo suficiente para o carro da outra pista passar em alta velocidade e eu escapar de ser atropelado. Obrigado, amigo, por termos nos conhecido, por acaso, há muitos anos.
No âmbito da filosofia, costuma-se utilizar a expressão contingência para o termo. Em seu mais recente livro, Fragmentos filosóficos do horror, o professor Luiz Felipe Pondé escreve: “O mundo à nossa volta – dos elementos do universo aos elementos naturais, chegando aos elementos históricos, políticos e sociais – implica grande submissão aos efeitos cegos da contingência.” Pondé bebe da fonte de filósofos como o francês Clément Rosset, para quem “a noção de contingência” deriva “da ideia de simultaneidade” somada ao imprevisível. Se entendi bem o conceito do seu livro A lógica do pior, duas coisas acontecem ao mesmo tempo para haver um resultado inesperado. Obrigado, pai (in memoriam) e mãe, por se encontrarem em um momento preciso de suas vidas, caso contrário eu não nasceria.
Há momentos bons do acaso, como os que citei. Por outro lado, há episódios ruins da nossa vida e do mundo que, se não fossem as mãos misteriosas que tecem o fio da existência, não se realizariam. Um piscar de olhos pode ser fatal para o motorista. Uma palavra dita pode ser mal interpretada e ocasionar uma tragédia em um bar. Clicar no “enter” após escrever, no calor da hora, um comentário de uma postagem na internet pode até resultar numa terceira guerra mundial.
Será, no entanto, tudo culpa do acaso ou da contingência cega? Não somos responsáveis pelo que fazemos? Qual a linha que separa o sem querer do querendo? (Até o Chaves entra nessa conversa!) Tu, caro leitor, que por um acaso abriste as páginas do jornal e não desviaste os olhos deste texto, tens a resposta?
Cassionei Niches Petry – professor e escritor, autor de Desvarios entre quatro paredes, Editora Bestiário.

Comentários

Mensagens populares