Crônica entre quatro paredes

                                                            


 Meu texto no jornal Gazeta do Sul de hoje.

Estava escrevendo sobre a 1566ª mudança no Ensino Médio (o número é exagerado para dar conta do absurdo) aprovada há poucos dias no Congresso, porém desisti e apaguei o texto que já atingia um avançado estado de composição. Mesmo com meus 20 anos de sala de aula, completados neste ano, e depois de ter assistido a várias tentativas de melhorias no ensino que nunca deram resultados satisfatórios, sei que o que teria para opinar não vai ser levado em consideração. O melhor é meter a viola no saco e me recolher à minha insignificância. As contribuições que eu e boa parte dos meus colegas deram nas poucas vezes em que fomos consultados em “lives” de formação pedagógica se perderam nas nuvens da internet, assim como nosso grito diário nunca ultrapassa as paredes das salas dos professores.

Já que falei de paredes, somos como aqueles prisioneiros da alegoria de Platão, que veem somente sombras projetadas no fundo de uma caverna e achamos que isso é a realidade, nos conformamos com as aparências, com o básico para sobreviver. O fundo da caverna é a parede em que se projeta uma tela onde passam nossos dramas e tragédias, às vezes filmes de horror. Apenas assistimos e aplaudimos, podemos até vaiar. Mas só. Se alguém tenta nos mostrar que não estamos vendo a verdade, para acordamos, para sairmos da escuridão e vermos a luz, que representa o conhecimento, essa pessoa é agredida, insultada. Que audácia é essa de apontar erros, de dizer que estamos errados! Isso não é “fake news”, seu verme! Eu vi no “WhatsApp”!

O celular é a caverna de hoje. Não desgrudamos os olhos de sua tela. Ali está a realidade. Tudo está ali. Que o digam os alunos. Estudar pra quê? Por quê prestar atenção no professor, se as respostas estão na internet? É só “googlar”. A inteligência artificial faz por nós. O aluno sabe, no entanto, como e o quê perguntar? Está aí um motivo do fracasso das mudanças no ensino, mas eu disse que não iria escrever sobre isso, porque ninguém está preparado para essa conversa, como se diz na internet.

Repare, caro leitor, que utilizo o pronome nós. Também sou, de certa forma, prisioneiro do celular. Também estou na caverna. Uma entre tantas. Há várias cavernas. São as bolhas. Umas mais finas, outras mais espessas, mas bolhas. Numa delas estão os mentores das mudanças do Ensino Médio. Eles decidem o que é bom entre as quatro paredes de seus escritórios e pouco sabem do que se passa entre as quatro paredes de uma sala de aula. Se furassem suas bolhas, veriam que estão errad...

Ops! Eu disse que descartaria esse assunto. Vou então me recolher às quatro paredes da minha biblioteca, a minha bolha, a minha toca e refletir para escrever a próxima crônica.


Cassionei Niches Petry – professor e escritor, autor de Desvarios entre quatro paredes, Editora Bestiário.


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