Homenagem ao malandro Chico Buarque


Meu texto no jornal Gazeta do Sul de hoje.

Homenagem ao malandro Chico Buarque
Comemoramos há poucos dias os 80 anos de um dos gênios da canção no Brasil: Chico Buarque. Suas letras vêm me acompanhando há um bom tempo, assim como suas obras exclusivamente literárias (em agosto lançará um novo romance, Bambino a Roma). Não há momento na minha vida em que não evoco algumas delas, seja no meu trabalho de professor, seja para ilustrar acontecimentos do cotidiano ou mesmo para refletir sobre nosso país.
Quando surge a oportunidade em sala de aula, aproveito para apresentar o Chico às novas gerações. Ensinando intertextualidade e a distinção entre plágio e relação intertextual, recentemente mostrei aos meus alunos a canção “Folhetim”, na voz de Gal Costa, cujos versos iniciais dizem: “Se acaso me quiseres/sou dessas mulheres/que só dizem sim”. Logo uma aluna “pegou a referência” e lembrou uma música da atualidade, da Luiza Sonsa: “Chico, se tu me quiseres/sou dessas mulheres de se apaixonar”. Aliás, “Folhetim” é um bom exemplo do uso do eu lírico feminino na poesia, assim como a letra de “Com açúcar com afeto”: “Você diz que é um operário/sai em busca do salário/pra poder me sustentar/qual o quê!”.
Em casa, quando vejo minha companheira de toda a vida passando por mim, mal sabe ela que canto em silêncio a canção “As vitrines”: “Passas em exposição/passas sem ver teu vigia/catando a poesia/que entornas no chão”. Porém, a “amo tanto e de tanto amar/acho que ela acredita”, ela que, me vendo preguiçoso, “me sacode às seis horas da manhã/me sorri um sorriso pontual” e cita o Chico: “Vai trabalhar, vagabundo/vai trabalhar, criatura”!
Quando certo sujeito (des)governava o Brasil, eu cantava mentalmente: “Apesar de você/ amanhã há de ser outro dia”. Após as eleições presidenciais, o país (ou parte dele) acordou, pois antes, “dormia/a nossa pátria-mãe tão distraída/sem perceber que era subtraída/em tenebrosas transações”.  Ainda assim sabemos que “o que não tem vergonha, nem nunca terá/o que não tem juízo” continua à espreita e o perigo da “roda-viva” voltar é grande.
Há versos do Chico que arrepiam, emocionam, cortam a carne, como esses, de “Um pedaço de mim”, na voz de Zizi Possi: “Que a saudade é o revés de um parto/a saudade é arrumar o quarto/ do filho que já morreu”. Outros nos fazem sorrir e atiçam a fome: “Joga o paio, carne seca, toucinho no caldeirão/E vamos botar água no feijão”. Chico faz parte da “nata da malandragem”, é um “caro amigo” para todas as horas e fica no nosso “corpo feito tatuagem” a cada música que ouvimos.
     Cassionei Niches Petry – professor e escritor, autor de Desvarios entre quatro paredes, Editora Bestiário.


 

Comentários

Mensagens populares