Dia dos Mortos: dia de aprender a viver
Meu texto publicado na Gazeta do Sul de hoje, página de opinião.
Dia dos Mortos ou Dia dos Finados. O nome não importa, tampouco sua origem católica, nem mesmo se existe ou não uma vida após a morte. O dia de hoje serve para pensarmos sobre a finitude humana. Pensar não só nos que se foram, mas também, e muito mais ainda, nos que estão vivos.
Nossa sociedade é feita de rituais. Seja o batismo, a formatura, os 15 anos, todas representam um rito de passagem. Quando um ente querido morre, há também toda uma cerimônia dessa suposta passagem. Só que o ritual se estende durante toda a vida dos que ficam, quando cuidam do túmulo, rezam, levam flores, acendem velas pelas almas. O 2 de novembro é um dia especial para isso. Tudo pode ser plenamente justificado pela crença, e cada cultura tem sua maneira de ritualizar.
Interessante também é ver as diferentes formas da indesejada das gentes. Na mitologia grega, Tânatos era personificação da morte e irmão gêmeo de Hipnos, o deus do sono. Seria a morte o sono eterno? Ainda na riquíssima mitologia grega, havia as três Moiras que presidiam o destino, fabricando, tecendo e cortando o fio da vida, sendo esta última tarefa destinada a Átropos, que significa “afastar”. Temos aí um termo mais leve para a morte, afinal de contas as pessoas que falecem se afastam do nosso convívio, só que é um afastamento definitivo (ou não, dependendo da crença).
Outras representações colocam a morte como um ser cadavérico, com uma foice na mão ceifando vidas. Nas histórias em quadrinhos de Neil Gaiman, a Morte é uma jovem que se veste à moda gótica e é irmã de Sandman, o Senhor dos Sonhos. Clássica ainda é a imagem da Morte, nesse caso um homem, jogando xadrez com um cavaleiro da Idade Média no filme O sétimo selo, de Ingmar Bergman.
A morte é considerada a única certeza de todo ser humano. Mas... e se deixássemos de morrer? Se fosse descoberto e vendido em qualquer farmácia o “Elixir da Longa Vida”? No romance As intermitências da morte, o finado José Saramago imaginou um país onde a morte decide deixar de atuar. Uma das consequências é a superlotação dos hospitais, já que as pessoas continuariam doentes; outra é a perda da importância da religião, pois sem a morte as pessoas não precisariam mais pensar em céu ou inferno.
Faz parte da natureza o fim da vida, mas somente o homem tem consciência disso e é o único ser a questionar sobre o que há do outro lado. Para mim, na há mais nada. Penso como o escritor Vladimir Nabokov: “nossa existência não é mais que um curto circuito de luz entre duas eternidades de escuridão.” Para quem acredita, porém, há céu, inferno, purgatório, mundo espiritual, reencarnação, juízo final, etc.
Não saberemos a verdade. Sabemos, porém, que a vida tem um fim, mas antes tem um começo e um meio. Parece óbvio, mas muitas vezes não vemos o óbvio. Perdemos um tempo precioso pensando apenas no fim. Questionando a uma pessoa ligada ao espiritismo por que motivo não fora visitar minha mãe que estava doente, ela respondeu: “estou sem tempo, sabe como é, sempre envolvida com o centro espírita.” Independente de crenças, não deveríamos dar atenção para os vivos também?
Por isso, o Dia de Finados é um dia para refletirmos sobre nossas atitudes, reavaliar o que fizemos, a partir do legado das pessoas que se foram. Com isso, aprenderemos a viver melhor, a valorizar os vivos que estão ao nosso redor e também, por que não, aprenderemos a morrer.
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Escutando este CD que contém o poema sinfônico A ilha dos mortos, de Rachmaninov, baseado na tela de Böcklin.
Comentários
Como sempre seus textos são ótimos. Fazia um tempo que não passava por aqui, e logicamente percebi que a qualidade na sua palavra escrita está mantida intocada, como aliás eu sabia que estaria.
Parabéns pelos textos, mano...
Abraços...