Crônica de um chato sobre outros chatos
Um homem corta uma árvore ao pé
do Cinturão Verde, não se importando com a possibilidade de a planta ser a
sustentação de um barranco, que pode mais adiante destruir a casa desse mesmo indivíduo.
Cachorros, possivelmente mal alimentados, destroem sacos de lixo em busca de
comida ou mesmo restos de papeis higiênicos usados, espalhando sujeira e riscos
de doenças. Um jovem escuta música no seu celular, sem fone de ouvido, dentro
de um ônibus, enquanto um carro na pista ao lado faz “tremer o chão” com seu
som potente, ambos sem perguntar se os demais querem ouvir o mesmo tipo de
música. Outro jovem, já nem tão jovem assim, compra uma casa geminada para
fazer festas, começando muitas vezes depois das dez da noite, não se importando
com o outro vizinho cuja parede é grudada a dele.
Liguei o “modo chato” do meu
sensor interno para escrever essa crônica e falar sobre gente chata que me
incomoda, mas que também deve incomodar a tantos outros que me leem.
No último domingo, escutei o som
de uma motosserra que cortava uma árvore próximo ao nosso Cinturão Verde. Digo
próximo, pois não sei se realmente não estavam cortando dentro da área de
preservação. A cada dia a especulação imobiliária vai destruindo o que resta de
verde em nossa cidade e, o pior, tomando espaço dos morros. Parece que as
notícias dos desastres em Santa Catarina e no Rio de Janeiro não afetam ninguém.
Pensam que nunca pode acontecer o mesmo em nossa cidade. Os governantes fecham
os olhos para tudo isso. E o incomodado, reclama para quem?
Muitos dizem adorar os animais e
ficam indignados quando alguém os maltrata, chegando inclusive a desejar a
morte de fulana que torturou um yorkshire.
No entanto, dão pouca comida para seus próprios cães e os deixam soltos nas
ruas, revirando lixos dos vizinhos e fuçando inclusive restos de fezes humanas
(as fraldas usadas são um banquete). Isso é gostar dos seus bichinhos? É bom
lembrar que não são apenas vira-latas, mas também cachorros de raça e com
coleiras.
Mas se há coisa que mais incomoda
no convívio com o outro é a questão da música. Nesse ponto, estou pagando meus
pecados. Mais jovem, queria mostrar para todo mundo as novidades que tinha
entre minhas fitas K-7 e, para tanto, o som tinha que estar no último volume.
Hoje, menos jovem, morando num lugar que até pouco tempo era silencioso, acho
chato ouvir a música dos outros, por isso lancei a campanha: “Seja egoísta: use
fone de ouvido”. Por que obrigar as outras pessoas a ouvirem o que não querem? Por
que o som do carro tem que ser propagado para fora e não para dentro do
veículo? Será porque nem o motorista suporta a música, mas a coloca por estar
na moda? Já nos celulares e tocadores de MP3, a distorção do som dos minúsculos
alto-falantes torna tudo mais irritante ainda. Se estiver rolando Michel Teló
então...
O maior desrespeito, porém,
acontece no momento em que envolve nosso lar. Quando alcançamos o sonho da casa
própria, um dos objetivos é ter sossego. Parece, no entanto, que essa palavra
não faz parte do vocabulário de algumas pessoas. Imaginem três casas geminadas.
Imaginem que uma delas é comprada por alguém que faz festas em diferentes dias
da semana, menos no sábado (que seria tolerável), põe o som alto depois das 22
horas até à meia-noite (às vezes até a uma, duas horas), com as músicas de que
ele e sua turma gostam, turma essa que chega buzinando, gritam o tempo todo,
bebem e depois saem dirigindo. “Chama a polícia”, me aconselham os amigos. Acontece
que chamamos várias vezes, eles dizem que vão verificar, mas não aparecem,
sendo que a última vez quem atendeu disse que não há nada que impeça o som alto
depois das 22 horas, só se fosse um condomínio. O que este vizinho chato que
vos escreve pode fazer em relação ao outro vizinho chato, se nem mesmo a
polícia cumpre com suas atribuições? A lei, é bom frisar, diz que a perturbação
do sossego alheio acontece em qualquer hora do dia.
Esta crônica chata, de um
professor chato, é para lembrar aos outros chatos que a vida poderia ser menos
chata se as pessoas respeitassem os limites. Bom senso não faz mal a ninguém.
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Art. 437 - Fica terminantemente proibido, na cidade, vilas e povoados, das 22 da noite às 6 horas da manhã, o uso de apítos, sirenes, buzinas, tímpanos, matracas, trompas, cornetas, campaínhas e quaisquer outros instrumentos que pertubem o sossego público, incluído-se na proibição os fogos de artifícios ruidosos, tiros, arrebentação de minas, o transporte e descarga de objetos metálicos.
PARÁGRAFO ÚNICO - Excentuam-se na proibição deste artigo:
a) Os tímpanos e sinetas de veículos de Assistência, Corpo de Bombeiros e Polícia, quando em serviço;
b) As buzinas e tímpanos de automóveis quando usados para evitar algum choque ou atropelamento;
c) Os apêlos de socorro.
Dá pra ver isso na íntegra pelo site da Câmara de SCS ("Consulta à Legislação").