A luta e a vida
Meu texto, já publicado anteriormente aqui no blog, saiu hoje na página de opinião da Gazeta do Sul: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/321621-a_luta_e_a_vida/edicao:2012-01-02.html
Muitos
falam que a vida é uma luta diária. Mas de que tipo ela seria? Uma das
artes marciais, como o judô, o jiu-jitsu, o karatê, o kung fu ou a
capoeira? Ou de outras categorias como o boxe, o sumô e o telecatch?
É
interessante falar em artes marciais nesse período que corresponde à
entrada de um novo ano. Marcial vem de Marte, o deus da guerra na
mitologia romana. Cada começo de ano tem a ver com uma nova guerra em
que vamos entrar – lembrando que na antiguidade o ano começava em março.
Quando falamos em artes marciais, falamos sobre artes de combate em que
não se usa armas, o que já é uma boa ideia para um mundo que busca a
paz.
Podemos
encarar a vida no próximo ano como uma luta de judô. Aqui a estratégia é
importante. Estudamos atentamente nosso objetivo antes de agarrá-lo. A
palavra judô, aliás, significa “caminho da suavidade”. Calmamente
podemos derrubar nossos obstáculos.
Já
o Jiu-jitsu, por incrível que pareça, significa algo como a “arte da
suavidade” ou “técnica da brandura”, mas seus seguidores são conhecidos
por atos de violência. Contraditória como a vida, portanto, essa luta –
“a suave arte de quebrar os ossos” –tem muito a ver com ela. Como dizia
Che Guevara: “Endurecer sempre, mas perder a ternura jamais.”
O
caratê e o kung fu me trazem certo ar nostálgico. Quando criança queria
aprender essas artes, influenciado pelos filmes do Bruce Lee ou os
quadrinhos do Mestre do Kung Fu. Sempre ouvia dizer que essas lutas
serviam tão somente para defesa pessoal, e era do que mais precisava
depois de apanhar dos mais fortes na escola. Defender-se dos perigos da
vida, mas consciente de que não devemos atacar, eis a grande lição.
A
vida parece também com a capoeira, quando nos esquivamos dos perigos,
damos saltos mortais e nosso objetivo não é atingir o adversário. E como
a vida de quase todo brasileiro, essa luta é acompanhada por música,
dança e muita ginga.
Ou
a vida seria uma luta de boxe? Em ambos levamos muita pancada na cara,
caímos, levantamos, mas também batemos. Uns ganham por nocaute, de uma
hora para outra crescem na vida, outros vencem por pontos, anos e anos
lutando para ter um lugar ao sol. Coincidência ou não, há 12 rounds em
cada luta, como os 12 meses do ano.
Outras
vezes a vida tem o peso do sumô. Somos gigantes, como os deuses das
lendas japonesas, lutando para que não nos tirem do círculo da vida.
No livro Mitologias, o filósofo francês Roland Barthes escreveu um ensaio sobre o catch francês, que no Brasil ficou conhecido como telecatch
ou luta livre. Para ele, esse tipo de luta não é um esporte, mas um
espetáculo em que há toda uma encenação. O lutador, quando está perdendo a
luta, fica se contorcendo de “dor” no ringue, prolongando seu
sofrimento para que o público acompanhe sua tragédia, público ciente de
que tudo é fingimento, pois o catch não é um espetáculo sádico:
“trata-se apenas de uma imagem, e o espectador não deseja o sofrimento
real do lutador; saboreia unicamente a perfeição de uma iconografia.” A
vida é também isso: fingimento, encenação, teatro, no qual somos atores e
também expectadores.
Eu,
de minha parte, vou continuar a luta que Carlos Drummond de Andrade
imortalizou num poema: a luta com a palavra. Um luta vã – como todas as
outras – na qual apanho muito, saio todo machucado, mas que no final
cura as feridas de outras pelejas. E você, leitor, que luta vai praticar
no novo ano?
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