Virgínia ("Eles" VI)
Virgínia terminou o
conto. As vozes ressurgiram aos poucos, agora que não havia mais o barulho da
máquina de escrever. Quem eram eles que diziam coisas ininteligíveis, sussurros
vindos não sabia de onde? Tirou o papel da máquina e releu a última página. Não
reconheceu o que escrevera. Não havia sido ela. Estariam eles ditando no seu
subconsciente o que deveria criar?
Pôs outra folha na
máquina. Deveria dar alguma explicação para o marido através de um bilhete. Ela
tentara escapar deles, mas não estava conseguindo. Teria que continuar
escrevendo sempre, sem parar, mas não poderia fazê-lo. Ele não poderia
ajudá-la, até porque não entenderia. Maridos não foram feitos para entender.
Deixou a folha sobre a
mesa da cozinha. O conto inédito foi jogado na lareira, assim como os dez
outros produzidos nos últimos meses, desde que as vozes começaram a
importuná-la.
Apesar de seu nome ser
Virgínia, e não Sylvia, fechou todas as frestas da cozinha e ligou o forno a
gás. Eles ainda sussurravam, até o derradeiro instante, mais algumas palavras.
As últimas foram bem claras, nítidas, e a acompanharam no último suspiro: bom
trabalho.
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