Aquele garoto em cima do muro (ou Os devaneios crônicos estão voltando)
Tenho várias opiniões
sobre as eleições do último domingo, porém, como a minoria, resolvi guardá-las
para mim mesmo. Já dei uns pitacos nas redes sociais, mas devido à onda raivosa
que varreu a rede, dificultando e tornando um porre a navegação do internauta, me
contive e tentei não entrar em nenhum debate. Se fosse no tempo do Orkut,
talvez estaria até agora defendendo meus pontos de vista em uma comunidade. Se
fosse um pouco antes disso, final dos anos 90 e início dos anos 2000, estaria
me pegando com algum parente no almoço de domingo e defendendo meu direito de
ter a minha opinião (que hoje, sei, era totalmente equivocada).
Andei escrevendo por
lá coisas como: “Votar no candidato A ou no candidato B ou optar em votar em
branco (que inclusive tem o direito a uma tecla na urna, não sei se vocês
viram) não é ignorância e sim um pensamento diferente. As pessoas não pensam da
mesma forma, as pessoas não são iguais, não pensam como você acha o correto
pensar. Ignorante é quem vê ignorância somente nos outros”. Ou: “Votar em
branco ou nulo também é um ato democrático. O que não é democrático é ser
obrigado a escolher quem você não quer”. Ou ainda: “Compartilhar literatura nas
redes sociais num dia como hoje [de eleição] é como gritar "vamos
ler!" num show de sertanojo primário ou pseudo-funk.” Dias antes escrevi: “Dica
de um professor: não é educativo dizer a alguém para não ler determinada
revista ou determinado jornal pelo fato de a publicação não estar de acordo com
suas ideologias. O mais aconselhável é dizer que se deve ler criticamente
diversas fontes e aí cada um formar sua própria opinião. Mas sei que dizer isso
num momento de cegueira partidária é uma perda de tempo.”
E ficou por aí a
minha contribuição para o “não debate” político. Desiludido com toda a
política, a incoerência dos partidos, dos partidários e mesmo dos eleitores sem
partido, vejo tudo um pouco de longe e pensando diferente. Já foi assim nas
manifestações do ano passado, que geraram alguns textos que publiquei por aqui
e nos jornais Zero Hora e Gazeta do Sul. Sou mais ou menos como o Cazuza canta
em “Ideologia”. Sou aquele garoto que queria mudar o mundo, foi de esquerda,
flertou com a direita e hoje vê tudo em cima do muro. Para muitos isso é um
defeito, foi o que ouvi de pessoas próximas. Vejo por outro lado, com meus
olhos míopes e tortos. Em cima do muro eu observo os dois lados e vejo suas
qualidades e defeitos, vejo quem está se engalfinhando, quem está planejando
alguma maracutaia, quem está se unindo para realmente resolver os problemas da população.
É um olhar privilegiado, no entanto não superior, que fique bem claro. Ainda bem
quem ninguém ainda está querendo me puxar para voltar para o seu lado. Dou a
mão para um e outro de vez em quando, mas eles não querem subir e observar o
outro lado. Preferem ficar com o muro separando-os.
Sempre me vem à
mente a música “Pesadelo”, de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós, composta
durante a ditadura militar: “Quando um muro separa, uma ponte une”. O problema
é que construímos mais muros do que pontes.
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