Terceiro acorde

(De um crítico que critica a si mesmo.) 
Minha filha criou meu perfil em uma rede social da internet. Escolheu uma imagem curiosa para ser o que ela chamou de avatar. Parece que a foto tem muito a ver comigo. Um escritor em um espaço com as paredes almofadadas, seu rosto demonstrando uma expressão de loucura enquanto escreve em uma máquina de escrever no chão. Não perguntei a ela por que escolheu tal ilustração. Acredito que é a visão que ela tem de mim. Quando criança, com a sinceridade que somente os pequenos têm, me disse que eu fazia caras engraçadas quando estava à frente da minha Olivetti Lettera.
Sou louco? Pode ser. Simão Bacamarte, personagem do Machado de Assis, diria que todos o somos, inclusive quem julga os outros dessa forma. Louco é o que foge do considerado normal, num conceito bem simplório. Não pode ser normal escrever histórias, juntar palavras, trabalhá-las em busca de uma estética. O normal é escrever o simples, o essencial, num vocabulário mediano. O mais comum é o vocabulário pobre, com abreviaturas, com “carinhas”. José Saramago disse uma vez que estamos voltando ao grunhido primitivo. Do Vossa Mercê ao “vc”, podemos imaginar que o próximo passo para trás é apontar o outro quando alguém quiser se comunicar. Depois do grunhido, o silêncio, que até não seria má ideia.
Voltemos, porém, à rede social. Aprendi logo a usá-la e comecei a fazer convites de “amizade” a escritores, críticos, professores. Alguns logo aceitaram e começaram a surgir, a partir desse momento, solicitações de “amizade” de pessoas das quais nunca ouvi falar, mas que eram também escritores, críticos, professores, outros apenas leitores. O círculo se expande, talvez resulte em leitores para o blog e para os livros que, quiçá, venha a publicar.

Posso estar dando a impressão de ser um zero à esquerda em relação à internet. Já a uso, no entanto, há bastante tempo, por obrigações de trabalho e também para ler jornais ou sites de notícias e de literatura, bem como para comprar livros que não encontrava nas livrarias das cidades onde trabalhei. Se tenho uma vasta biblioteca, inclusive com livros em línguas espanhola e inglesa, foi graças à internet. É um mal, portanto, necessário.
Júlio Nogueira

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