Richard Dawkins no Traçando Livros de hoje
Memórias de um ateu ainda não militante
“Sempre me interessei pelas questões profundas da
existência, as questões a que a religião aspira a responder (e não consegue),
mas tenho a sorte de viver num período em que essas questões ganham respostas
científicas em vez de sobrenaturais.” Richard Dawkins
Livro mais recente do
britânico Richard Dawkins, Fome de saber
– a formação de um cientista (Companhia
das Letras, 364 págs., tradução de Érico Assis) traz as memórias das
quatro primeiras décadas de vida e trabalho daquele que coleciona legiões de
detratores no mundo todo. É autor de Deus,
um delírio, publicado em 2006, uma das mais contundentes obras contra a
figura da divindade de várias crenças e realiza palestras e documentários no
mundo todo na tentativa de destruir essa ilusão coletiva ao afirmar que o mundo
estaria muito melhor se não houvesse religiões, como imaginava John Lennon.
Pelo menos neste primeiro
volume de suas memórias, as críticas às religiões não são tão fortes, mesmo
assim, entretanto, são mostrados os motivos de ele ter se tornado ateu. Antes,
no entanto, retrata seus pais, avós e tios, uma família de cientistas, pessoas
inquietas e curiosas de quem Dawkins herdou os genes, nesse caso não egoístas,
só para ficarmos no termo que irá marcar sua trajetória acadêmica. Relata,
ainda, a partir principalmente das pesquisas que fez nos diários e ilustrações
de sua mãe, a infância que passou em alguns países da África, continente onde
nasceu em 1941, mais precisamente no Quênia, já que seu pai assumira o posto de
oficial agrônomo do serviço colonial britânico. São belas páginas com
descrições da natureza africana.
Sua formação foi religiosa
e era um menino crédulo, sendo que algumas histórias da infância, segundo ele,
revelam “uma triste ausência de qualquer coisa remotamente parecida com
pensamento crítico ou cético.” Na adolescência, ao fazer a crisma, chegou ao
ápice da sua religiosidade: “Todo carolinha, censurava minha mãe por não
frequentar a igreja.” Seus pais, diga-se, sempre lhe explicavam os mistérios do
mundo a partir de respostas científicas, apesar de não serem necessariamente
descrentes. Foi somente no colégio secundário, ao conhecer a fundo a teoria de
Charles Darwin, que Dawkins passou a ser antirreligioso, recusando-se, junto com
dois amigos, a se ajoelhar nos cultos da capela, “desafiadores como altivas
ilhas vulcânicas no meio de um mar de cabeças abaixadas e murmurantes”.
A narrativa sobre a
sua permanência na Universidade de Oxford, no Balliol College, também é
interessante. Todos os rituais de entrada, as metodologias de ensino através de
tutores e o contato com professores importantes, alguns futuros ganhadores do
Prêmio Nobel, construíram a figura do cientista (“... se há algo que me fez ser
quem sou, esse algo foi Oxford.”). Mais adiante, no entanto, as páginas sobre o
já formado zoólogo e professor universitário, resultam numa leitura maçante
para quem não é acostumado com os jargões científicos. São descrições
pormenorizadas das pesquisas de Dawkins como etólogo, especialista em
comportamento animal, bem como seus estudos de programação de computador, no
início dessa tecnologia.
O livro se recupera ao
falar sobre o processo de criação do primeiro best seller de Dawkins, O
gene egoísta, publicado em 1976, aos 35 anos, e para por aí. A continuação
das memórias, abarcando o período em que escreveu a maioria dos seus livros,
está prevista para ser lançada ainda este ano no Reino Unido.
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