Minha crônica no jornal Gazeta do Sul de hoje
Estrague sua vida que eu estrago a minha (título original)
Conheço pessoas que têm um aplicativo no celular que avisa onde
há uma “blitz” policial. Não saem de nenhuma festa sem antes consultar o
oráculo para poder fugir do bafômetro e de uma multa. Essas mesmas pessoas
reclamam dos governantes, dos impostos, da crise, da violência, dos furtos.
Inclusive têm medo de terem seus carros roubados. E, claro, esquecem que os
bandidos também têm o mesmo aplicativo e que, por isso, também escapam da
polícia depois de praticarem o roubo.
Conheço pessoas que, depois de ler este primeiro parágrafo,
já estão tentando se desculpar, se justificar, vão tentar me atacar, achando
que estão certos em burlar as leis. “Ora, bebo, mas não perco meus reflexos”, “o
limite de velocidade é muito baixo nas ruas da cidade”, “não deixo meus
documentos em dia porque os governantes só nos tiram dinheiro e sou apenas mais
uma vítima da indústria da multa”.
E o bandido, pergunto, também não seria vítima de algo,
segundo os defensores do chamado “direitos humanos”? Não reclame, então, se te
roubarem, afinal todos temos nossas razões, todos somos vítimas.
Por que estou escrevendo isso? Sei lá, estava pensando cá
com minha xícara de café e meu cachimbo sem fumo: parei de beber justamente depois
de começar a dirigir, pensando nas pessoas que estão comigo, nas pessoas que
estão na rua, nas pessoas que estão em outros carros. Basta pensarmos no outro.
O que eu faço tem consequência não só para mim. O problema é que só pensamos em
nós mesmos, nos nossos prazeres, na nossa pretensa infalibilidade.
Minto. Penso em mim também. Na verdade, penso primeiro em
mim. E só penso no outro que faz parte da minha vida. Como escreveu Luiz Felipe Pondé, no seu Guia politicamente incorreto da filosofia, “quando
o ‘outro’ não cria problema, não há nenhum valor ético supremo em tolerá-lo.”
Que se dane o outro. Penso só no meu bem-estar. Se bebo, fico com meu estado
mental alterado e não gosto disso. O pior é a ressaca do outro dia e, com
ressaca, não consigo ler e escrever. E se não consigo ler e escrever eu não
vivo. Sem literatura eu não vivo. A literatura é a minha cervejinha. Ela é que
me embebeda.
Ah, mas é claro que já bebi muito. É o que está louco para
me dizer aquele que me conhece de carnavais passados, de boates todo o final de
semana, do vinho ou do “samba” (mistura de cachaça e Coca-Cola) quase diário
nas esquinas da vida. Costumo dizer: ainda bem que não existia facebook na
minha adolescência. Postaria coisas de que estaria arrependido hoje.
Não estou julgando ninguém. Não tenho moral para isso.
Critico, porém, quem julga os outros de forma hipócrita. Viva e arque com as
consequências. Já dizia o ator Antônio Abujamra: “a vida é sua, estrague-a como
quiser”. Eu a estrago com a literatura. E com muito café também.
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