Raio X de um poeta
“− Chegou o teu 'Troco poesia por dinamite' aqui, Barata.
− Obrigado, amigo, espero contar com uma análise do livro.
− Veio com cheiro de cigarro e tudo. Vi também que eu
apareço com meu depoimento sobre a tua obra.
− O livro tem cheiro de cigarro, é isso? Que comentário
inusitado! Encare isso como algo pessoal meu. ‘O cigarro é meu escarro’... rs.
− Quando abri o envelope senti o cheiro. Me senti próximo de
ti, cara!
− Não foi proposital, mas é uma boa forma de encarar, rs. Essa é a
vantagem e a desvantagem de receber livros que não são de editoras... Garanto
que a Record ou qualquer outra grande não tem esse recurso... rsrsrsrs.
− Achei legal isso, é um bom ponto de partida para uma resenha. Tua vida
está literalmente nos teus livros.
− Sim, sou transparente nisso, Cassionei.
Vida e pensamento.”
Tive esse diálogo com o poeta Barata Cichetto através da
internet. É uma troca de ideias que se mantém há alguns anos, depois de tê-lo ouvido
em uma web rádio declamando poesias e tocando rock de qualidade. A partir do nosso
primeiro contato passei a receber a produção artística desse agitador cultural:
livro de contos, fanzines, CD’s de ópera-rock (em parceria com Amyr Cantusio
Jr.), tudo produzido por ele em processo artesanal.
O obra que recebi com cheiro de cigarro foi o livro de
poemas Troco poesia por dinamite, que
traz na capa o Raio X do crânio do autor. Entramos, de certa forma, no inquieto
cérebro do artista, que deixa expostos sua alma, seus ossos, sua mente imunda,
pornográfica. É uma poesia para os fortes, que não ruborizam ao ler versos como
os de “Uma senhora puta”: “Lembro das fúnebres orgias de tempos de outrora/Nas
ruas com nomes de putas, Augusta ou Aurora/Transando com cadáveres mornos de
putas tortas/E sem perceber se eram putas ou se eram mortas.”
Estes versos estão na primeira parte, chamada “Troco poesia
por sexo”, em que predomina uma literatura pornográfica, nua e crua, com sexo
sem metáforas ou subterfúgios, como lemos em “Sacanas bacanas”: “Enquanto te
espero cansada do trabalho/Apanho, seguro firme e masturbo o meu caralho/Imaginando
que quando entrares a porta da casa/Eu o enfiarei na tua buceta o meu pau em
brasa.”
Na segunda parte, “Troco poesia por dinheiro”, notam-se
poemas que falam das agruras do artista num mundo em que a poesia sofre
resistência de quem só enxerga a realidade palpável: “Mas acontece é que ser
poeta é o meu ofício/Ainda penso eu antes de me jogar do edifício/E o pedreiro
ainda cheio de um ódio não secreto/Pensa: ‘que merda é isso sujando meu
concreto?’”.
A parte 3, “Troco poesia por rock’n’roll”, revela as influências
musicais de Barata, com títulos e epígrafes que mencionam principalmente Patti
Smith e Lou Reed. Gostei de “Misanthropía (hoje não tem Rosa de Hiroshima)”,
que glosa Vinícius de Moraes e a banda Secos e Molhados: “Que se dane o poeta e
sua cirrose, foda-se Hiroshima/Pois não me importa se o fim do mundo se
aproxima/E se em rotas hereditárias e inexatas de radioatividade/A humanidade
afundará na merda da própria vaidade.”.
A parte 4 recebe o nome do título do livro e retoma todos os
temas anteriores. Em “Carta aos poetas modernos”, temos um longo poema que
critica os artistas “vigaristas”, “hipócritas”, “moleques em fraldas,
catarrentos, ofendido”, “tolos esses que se definem como poetas revolucionários”.
Em “A poesia ou a vida!”, Barata maldiz a própria “poesia que me arranca os
olhos da cara/Me rói os ossos, chupa minha carne e mata minha tara.” É ela,
portanto, que deixou o poeta no estado em que é estampado na capa: só osso, não
há mais pele. É o retrato 3x4 mais fiel da identidade do Barata.
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