As bacantes
Estou projetando, durante as férias, reler as principais
tragédias gregas, seguindo a ordem proposta pelo guia de Pascal Thiercy editado
pela L&PM. Depois de ler as biografias de Ésquilo, Eurípedes e Sófocles, comecei
com as “As bacantes”, na tradução de Mário da Gama Cury, em volume editado pela
Jorge Zahar Editora. Pode-se dizer que a obra é uma ode ao vinho e a seu deus,
Dionísio ou Baco. “De fato, sem o vinho onde haveria amor?/Que encanto restaria
aos homens infelizes?”
Também conhecida como “As mênades”, a tragédia foi escrita
por Eurípedes entre 408 e 407 a.C. Fala sobre a punição de Dionísio sobre seu
primo Penteu, rei de Tebas, e sua tia, Agave, por terem desonrado o nome da mãe
desse deus, Sêmele (suas irmãs a difamaram, dizendo que ela teria mentido ao
dizer que havia gerado Dionísio a partir de uma relação com Zeus), e também por
não prestarem o culto que ele, Dionísio, merecia, apesar de ele ser oriundo de
Tebas. Tomando forma humana, Dionísio entra na cidade e enfeitiça suas tias
tornando-as bacantes e faz com Agave mate seu próprio filho, esquartejando-o
como se fora um leão.
De certa forma, esta tragédia, na minha leitura, reflete um
pouco a relação que se tem hoje com o carnaval. Há uma resistência de muitas
pessoas quanto ao festejo, ligando-o a orgias (bacanais), bebedeiras e mortes. As
pessoas se fantasiam para viver este momento, como o faz Dionísio na peça, se embriagam,
são enfeitiçados como as bacantes para que lhe prestem o culto e cometam, de “brincadeira”,
ações que não fariam na sua vida “real”, como ficar nuas e matar animais. A
partir da ideia nietzschiana de nós seres humanos sermos apolíneos ou dionisíacos,
é no carnaval que colocamos em suspensão a razão em favor da emoção.
Mas o motivo principal do carnaval é esquecer as tristezas, e
nisso somos ajudados pela bebida: Dionísio “descobriu e revelou/o leve suco
produzido pelas uvas/para curar de suas muitas amarguras/a triste raça humana;
a simples ingestão/do néctar tirado das uvas, nos concede/o esquecimento dos
males cotidianos,/ graças à paz do sono, único remédio/para nossos
padecimentos.” Por isso, segundo a peça, devemos cultuar os deuses: “Sendo deus/Dioniso
é dado a outras divindades/e lhe devemos todo o bem que elas nos fazem.”
Comentários