Sangue no ralo do chuveiro

Coincidentemente, li na sequência duas obras que foram adaptadas para o cinema. O mundo segundo Garp, de John Irving, gerou um filme mediano. Psicose, de Robert Bloch, no entanto, como todos já devem saber, resultou numa obra-prima de Alfred Hitchcock.

Não se pode, porém, dizer que o romance é tão inferior ao filme, como acontece na maioria das adaptações hitchcockianas. Seu autor influenciou boa parte dos escritores hoje considerados como mestres do terror e do suspense, como Stephen King, que analisou a obra de Robert Bloch no livro Dança Macabra.  Para King, Psicose é um típico romance de Lobisomen, apesar de nenhum personagem se transformar em um mostro coberto de pelos. Temos aqui o conflito apolíneo e dionisíaco (a partir do conceito do filósofo Nietzsche) no interior do ser humano: “Não se trata de um mal externo ou predestinação; a culpa não está nas estrelas, mas em nós mesmos.”

A história inicia com o protagonista Norman Bates (o nome não é por acaso, pois ele é apresentado como um cara normal), um sujeito solteiro que tem em torno de 40 anos, gordo e de óculos (bem diferente do personagem do filme, vivido por Anthony Perkins), apreciador de música clássica, leitor de livros de psicologia e ocultismo e que tem como hobby a taxidermia, a arte de empalhar animais, um índice importante para a resolução dos conflitos do enredo. Dono de um motel (lembrando que, nos EUA, motel é como se chama um hotel de beira de estrada) com poucos clientes, vive com sua mãe repressora.

Nos capítulos seguintes, conhecemos Mary Crane, uma jovem funcionária de um escritório imobiliário de onde rouba 40 mil dólares. Na fuga, acaba chegando ao Bates Motel, onde encontra a morte pelas mãos da velha senhora enciumada. Ao contrário do filme, cuja cena do assassinato no chuveiro é icônica, no livro ela não é narrada em todos os detalhes. Apenas sabemos que “a faca (...) cortou o seu grito. E sua cabeça.” E para por aí. Como boa literatura, os acontecimentos da narrativa são mais sugeridos do que mostrados. Na sequência, o enredo se desenrola com a investigação sobre o paradeiro de Mary feita pelo detetive de uma seguradora, e pelo namorado e a irmã, bem como os desdobramentos do relacionamento conflituoso de Norman com sua mãe.

O final é surpreendente. Hitchcock, quando comprou os direitos de filmagem, também comprou todos os exemplares disponíveis para que mais ninguém soubesse o desfecho. Até gostaria de revelá-lo, pois sei que meus poucos leitores já devem ter assistido ao filme. A ditadura do spoiler, entretanto, pode censurar meu texto. Prefiro evitar a fadiga.


Publicado originalmente em 1958, a obra foi relançada no Brasil em 2013 pela pequena editora Darkside, com tradução de Anabela Paiva e um trabalho gráfico impecável. Um livro que não pode faltar em nenhuma biblioteca.

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