Sobre O mundo segundo Garp, de John Irving
Não escondo uma predileção por romances que tenham
escritores como protagonistas. Não entendo as críticas que se faz a esse tipo
de gênero, dando a entender que o leitor não gosta de uma literatura
autocentrada. Ora, qualquer tema é passível de gerar uma obra de arte, desde
que ela aborde o lado humano, e não seja, claro, apenas uma masturbação
linguística sem enredo.
Por isso me ouriço quando ouço falar de textos
metaficcionais. O mundo segundo Garp, do norte-americano John Irving (Editora Rocco, tradução de Geni Hirata), é um desses,
com o agravante de que teve uma adaptação cinematográfica com Robin Williams, um
ator que sempre admirei, num dos primeiros filmes em que atuou.
O enredo do livro é cheio de peripécias, num emaranhado de
histórias que se inicia com Jenny Fields, enfermeira oriunda de uma família
rica, mas que deseja independência. Não querendo se envolver com nenhum homem,
porém desejando ter um filho, consegue engravidar de um jovem sargento em coma do
qual cuidava em uma enfermaria durante a Segunda Grande Guerra e que ainda
assim mantinha ereções. Nasce então T. S. Garp, dessa forma mesmo, as iniciais
sendo o próprio nome com o qual o garoto foi batizado.
Mais tarde, Jenny vai trabalhar numa enfermaria de uma
escola onde passa a ler todos os livros da biblioteca. É onde cresce Garp, que
se torna leitor ali também, entretanto, lê repetidamente alguns poucos livros,
apenas os que lhe agradam. Garp também vira um atleta de luta romana e se
apaixona pela filha do professor, Helen, outra leitora contumaz, que mais
adiante se forma como professora de literatura.
Jenny Fields escreve sua autobiografia, intitulada Uma suspeita sexual, e alcança fama como
feminista ao mesmo tempo em que Garp escreve contos para conquistar Helen e
depois um primeiro romance, Procrastinação,
que obtém relativo sucesso de crítica e público. Os dois se casam e têm dois
filhos e também uma vida confusa, com várias situações cômicas e tragédias, com
direito a amputações e mutilações. Paro por aqui para não estragar as surpresas
de quem ainda não conhece a obra. Vale acrescentar que ela é repleta de curiosas
personagens, como as feministas que cortaram as suas próprias línguas, seguidoras
de uma mulher vítima de estupro, cuja língua fora amputada pelo criminoso.
Podemos ler, dentro do romance, textos do próprio Garp, como
o conto “A pensão Grillprazer” ou o primeiro capítulo do que seria a obra mais
polêmica do autor, O mundo segundo
Bensenhahaver, classificada pelo editor como “novela de terror pornô de TV”. No entanto, há também os momentos em
que o escritor não escreve nada e se frustra com isso, canalizando, por fim,
suas energias em função da família.
Mesmo com o dispensável epílogo que conta detalhes das personagens
após o último acontecimento trágico do enredo, o romance é muito bom e
envolvente. Podemos ler as mais de 600 páginas com facilidade, apesar dos
inúmeros conflitos. No mundo de John Irving, a literatura é tratada como ela
merece.
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