Objetos sentimentais
Cada pessoa tem objetos pelos quais nutre algum carinho ou
que tenha algum elo sentimental. No meu caso, tenho mais de um: os óculos, as xícaras
de café, o cachimbo, as fitas K7, a máquina de escrever e, claro, os livros.
Míope desde a adolescência, os óculos são objetos imprescindíveis
no meu cotidiano. Sem eles não enxergo. Muitos me dizem para usar lente de
contato ou fazer uma cirurgia para diminuir os 5° do olho direito e 6,25° do
esquerdo. Digo que não, pois gosto do objeto, ele já faz parte de mim, é a
extensão dos olhos, como escreveu Jorge Luis Borges. Se os tiro, as pessoas
estranham. Seria como amputar um braço. Só não tenho diferentes modelos porque
são caros demais.
Quanto à xícara de café, tenho mais de uma e pretendo adquirir
outras. O café é meu vício diário, acompanha minhas leituras e a escrita. O
objeto que o contém, portanto, está sempre presente na minha mesa. O cheiro, o
sabor e a energia que o café me transmite necessitam um objeto especial. Tenho predileção
por uma xícara com uma imagem de Franz Kafka caminhando pelas ruas de Praga, cidade
do escritor. Foi presente de uma tia que viajou para lá. Não uso para não quebrá-lo
e serve para guardar os lápis e canetas com os quais faço anotações das minhas
leituras.
O terceiro objeto, o cachimbo, hoje apenas decora minha
mesa. Tentei ser um cachimbeiro, querendo imitar escritores, dando certa aura
ao meu ambiente de escrita com a fumaça. Um dia, porém, quando uma refeição não
me fez bem ao estômago e fui dar uma baforada, passei muito mal e acabei tendo
um terrível enjoo que me afastou do fumo. Sinto-me atraído, porém, pelo objeto,
que ainda mantém seu lugar na minha mesa. Às vezes finjo que dou umas baforadas
enquanto penso. E é só.
As fitas K7 de áudio
têm um valor sentimental. Não consigo jogá-las no lixo, apesar de não precisar
mais delas, hoje guardadas em caixas de sapatos. Tudo que continham, já tenho
em CD ou em MP3. No entanto, não me esqueço das horas em que passei fazendo
cópias de LP’s, de uma fita para a outra ou gravando o que rolava nas rádios
nos anos 90. São lembranças registradas que as novas gerações jamais
compreenderão.
A máquina de escrever é uma aquisição recente. Quando
pensava em ser escritor, me imaginava martelando uma Olivetti Lettera 82 em
altas madrugadas, rodeado pela fumaça do cachimbo ou do cigarro e tomando
litros e litros de café. Nunca tive uma, porém, apesar de ter feito o curso de
datilografia. Comecei escrevendo minhas primeiras crônicas e contos à mão
mesmo, em folhas de caderno, e os levava diretamente à redação da Gazeta do Sul para o editor Mauro
Ulrich, que sempre me deu espaço para publicação. Logo que tive um computador
passei a escrever direto nele. A máquina de escrever tornou-se um objeto de
desejo, uma espécie de fetiche. Consegui comprar uma Remington 15 há poucos dias, por
coincidência, de uma leitora de minhas colunas no jornal. Entretanto, apesar de
ainda funcionar, servirá apenas como objeto de decoração na minha biblioteca.
Aí chegamos ao livro, uma coisa retangular com um monte de
folhas impressas que tem uma magia especial, a quem presto meu culto diário ao abrir
suas páginas e absorver seus ensinamentos. Os livros tomam conta de quase todas
as paredes da garagem que transformei na minha toca. São parte essencial da
minha vida. Como canta Caetano Veloso, “os livros são objetos transcendentes/mas
podemos amá-los do amor táctil”. É por isso que cultivamos os nossos objetos:
para tocá-los e senti-los.
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