Crítico de uma literatura que não aceita críticas
Ser crítico no Brasil é uma tarefa difícil. Digo crítico
mesmo, daqueles que dizem se a obra é boa ou não e justifica com argumentos sua
opinião. Os espaços para a análise de literatura estão cada vez mais raros,
assim como as reações dos autores não são nada amigáveis. Eu, por exemplo, que
não sou propriamente um crítico, já fui “bloqueado” em redes sociais de
escritores contemporâneos por fazer algumas restrições a suas obras.
Rodrigo Gurgel é um dos poucos críticos que temos. É inevitável
falar dele e não lembrar que ele foi o famoso “jurado C” do Prêmio Jabuti de
2012, responsável por dar notas muito baixas a obras consideradas favoritas, o
que foi considerado por muitos como uma tentativa de manipular o resultado.
Acredito que depois disso ele deixou de ser chamado para compor a banca da maioria
dos prêmios literários e sofreu severas ofensas.
Para conhecer melhor o trabalho de Rodrigo Gurgel, sugiro a
leitura de Crítica, Literatura e Narratofobia,
lançado recentemente pela Vide Editorial. É uma reunião de artigos e ensaios
escritos para publicações como Folha de
São Paulo, jornal literário Rascunho
e seu site pessoal. Já os havia lido quase todos, mas em conjunto e dividido em
seções, a leitura ganha novas nuances. Mesmo discordando de muitas opiniões,
como as restrições que ele faz a Emil Cioran, por exemplo, saí das páginas do
livro (na verdade do e-book), revitalizado e com mais vontade de também ser
mais crítico do que resenhista.
Vale destacar alguns textos, como os da seção “O crítico à
procura de si mesmo”. Em “Reflexões no Império dos Filisteus”, faz uma bela
reflexão sobre a relevância da crítica e afirma que ela tem o espaço que merece:
“Se o espaço diminui cada vez mais — e se o número de publicações dedicadas à
literatura escasseia —, isso se deve não só a certas políticas editoriais ou a
questões de ordem sociológica, mas também aos próprios críticos, que afastam os
leitores ao incorporar a linguagem hermética da academia e evitar fazer
julgamentos claros.” Em “Narratofobia – ou o pavor de narrar”, Gurgel refuta a
necessidade imperiosa da literatura contemporânea em realizar uma obra centrada
em experimentos de linguagem, submetendo “a criatividade às regras difundidas
por supostos expertos, ou, pior, ao gosto das panelinhas”, porém deixando de lado
a arte de contar uma boa história.
Nas demais seções, lemos críticas (negativas e positivas) pontuais
a escritores estrangeiros, como Thomas Bernhard e Shakespeare, e nacionais,
como Ana Maria Machado e Oskar Nakasato, em texto que justifica suas notas no
prêmio Jabuti.
Como escreveu Flávio Morgenstern no prefácio, “é responsabilidade
a mais exigente e gratificante cuidar de apresentar este grande intelectual a
um público tão importante quanto os leitores de ficção (...)”. Se meus poucos
leitores ainda não o conheciam, não percam tempo, pois se gostam das reflexões deste
resenhista quase crítico, tenho certeza que apreciarão ler algo relevante sobre
a arte literária, que é o que Rodrigo Gurgel faz com maestria.
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