Breve resenha sobre um livro hediondo
Há oito anos, David Foster Wallace cometia suicídio,
enforcando-se na garagem de sua casa em Claremont, na Califórnia, EUA, que
servia também como local de escrita. Já escrevi sobre seu romance e o livro de
ensaios lançados por aqui. Hoje me detenho nos contos do livro recentemente
reimpresso pela Companhia das Letras: Breves entrevistas com homens hediondos (373
páginas, tradução de José Rubens Siqueira).
É interessante como
ele consegue dilatar um momento aparentemente banal da vida de alguém, como no
conto “A morte não é o fim”. Um escritor premiado está deitado à beira de uma
piscina, lendo, e a história aparentemente é só isso. Aparentemente, frisa-se,
pois sempre seus textos escondem uma camada de significados. Também à beira da
piscina, dessa feita esperando na fila para pular pela primeira vez de um
trampolim, um menino, no seu aniversário de 13 anos, amadurece, sendo a altura
do salto o emblema disso: “Agora que está em cima, dá pra ver a coisa toda”.
O conto que dá
título ao livro traz depoimentos de personagens estranhos, como o que sofre de
coprolalia, ou seja, grita descontroladamente frases escatológicas enquanto
mantém relações sexuais. O conto é construído a partir de perguntas e respostas
gravadas por um interlocutor, cuja fala nunca é transcrita, ou então por diálogos
com a rubrica “ouvidos por acaso”. “Breves entrevistas...” aparece ao longo do
livro, em capítulos intercalados com as outras histórias. Lemos ainda sobre um
homem que descreve, com riquezas de detalhes, um banheiro público onde seu pai
trabalhava. Em outra entrevista, um homem com apenas o toco do braço, semelhante
a uma barbatana, fala sobre como utiliza esse membro para se aproximar das
mulheres.
“Octeto” também é
construído através de perguntas e respostas, desta vez num tipo de “quiz” que
trata de dilemas éticos. É um conto metalingüístico, “ciclos de peças
beletristas muito curtas. O narrador analisa as peças anteriores e, através de
notas de rodapés, marca características dos textos de David Foster Wallace, discute
como deveriam ser escritas.
Um conto bem
construído é “Sem querer dizer nada”, em que um jovem lembra de um fato
inusitado, bizarro mesmo, que aconteceu na sua infância: seu pai balançando o
pênis na sua frente. Memória inventada? Ato tresloucado e único de seu genitor?
A figura de um pai estranho é uma constante na obra de DFW e é o mote de seu
aclamado romance, Graça infinita.
O suicídio (ou a
possibilidade de o indivíduo cometer suicídio) está presente em “A pessoa
deprimida” e “Suicídio como espécie de presente”. O primeiro é um emaranhado de
reflexões da mente de uma mulher que sofre de depressão e só poderia ser escrito
por alguém que conviveu com essa doença e não a suportou, que é o caso de DFW.
Há alguns contos
ilegíveis, como “Datum centurio”, um
texto todo codificado que, acredito, só quem sabe a linguagem da computação
possa entender, assim como é muito confuso o conto “Adult World (II)”. São os
baixos de uma obra irregular, que tem como um dos seus trunfos causar
estranhamento, repulsa, por isso a considero tão hedionda como o são seus
personagens.
Infelizmente a
Companhia fez apenas uma reimpressão e não uma nova edição. A ortografia é
antiga e falta um prefácio que situe os leitores numa obra tão complexa. Esperamos,
agora, pela publicação dos outros dois livros de contos de David Foster Wallace,
Girl with curious hair e Oblivion: stories, que são, sob meu ponto
de vista, superiores ao agora relançado.
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