Philip Roth no Traçando Livros de hoje


Autobiografia (?) de Philip Roth

Philip Roth anunciou há alguns anos que não irá mais escrever. A Companhia das Letras aproveita, então, para lançar por aqui um livro dele que ainda não foi traduzido. Trata-se de Os fatos: a autobiografia de um romancista (Tradução de Jorio Dauster, 240 páginas), originalmente publicado em 1988.
Se a obra pretende ser uma autobiografia, como promete o subtítulo, na verdade a vejo como outra peça literária e ficcional do autor disfarçada de não-ficção. Em Roth libertado: o escritor e seus livros, obra também publicada pela Companhia das Letras, sua biógrafa Claudia Pierpont explica que Os fatos “é na maior parte uma biografia franca, sem rebuscamentos”, e que Roth havia chamado “o livro de uma sequência de O avesso da vida; chegou a dizer que era o ‘avesso da minha vida’- isto é, de sua vida não transformada pela ficção.”
Com intuito de desvendar o que verdadeiramente estava por trás de suas primeiras narrativas, Roth conta fatos de sua vida desde a infância, passando pela universidade e depois a publicação e repercussão de suas primeiras obras. Ora, para quem leu seus primeiros livros, os fatos são facilmente identificados, como por exemplo, a trapaça que sua ex-esposa lhe fez ao fingir que estava grávida, artimanha utilizada por uma personagem em As melhores intenções, romance que merece uma nova edição no Brasil. Também prova, no entanto, ou tenta provar, que seus pais não foram contra a publicação de seus primeiros contos, geradores de uma perseguição da comunidade judaica, que o julgava antissemita.
Nathan Zuckerman, seu alter ego, aparece nesse livro, só que agora como interlocutor do próprio Roth, que lhe enviara o manuscrito para que lesse e avaliasse. Numa carta ao final, que salva a obra, diga-se de passagem, Nathan Zuckerman sugere ao seu criador que não publique o manuscrito: “é muito melhor escrever sobre mim do que informar ‘escrupulosamente’ sobre sua própria obra.” Curiosamente esta obra nunca é mencionada no ciclo de romances em que aparece esse personagem, autor de Carnovski. Deveria.
Zuckerman conta ainda na carta como está seu relacionamento com a esposa, Maria, depois do que foi narrado em O avesso da vida, sendo que ela também é personagem deste romance e lê o manuscrito de Roth, opinando sobre ele. Ela aparece em Os fatos na figura de May que, por sua vez, refere-se a uma mulher com quem Roth teve um caso na vida “real”. 
“Que relação existe entre esta ficção e tua realidade presente?”, pergunta Nathan na carta. Roth não responde. Para Claudia Pierpont, fica implícito em Os fatos “que a única maneira de chegar à verdade é através da ficção. Daí o cândido conselho de Zuckerman acerca do texto de Roth: ‘Não o publique’”.
Para o leitor, fica sempre aquele pé bem atrás sobre o que é ou não verdade nas obras do autor. É esse jogo que torna Os fatos: a autobiografia de um romancista uma obra imprescindível. Finalmente aportou por estas bandas. Esperamos ainda que os demais livros do escritor ainda inéditos ou esgotados no Brasil sigam o mesmo caminho.

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