A morte e a vida em “Velórios”, de Rodrigo M. F. de Andrade
Por essas
coincidências que não podem ser explicadas, enquanto lia os contos de Velórios, de Rodrigo M. F. de Andrade
(1898-1969), tive a tristeza de ir a três velórios no espaço de poucos dias.
Mães e sogras de amigos e também um parente meu não muito próximo acabaram nos deixando.
É a roda, como costumo dizer. Dela não podemos escapar.
Livro único do
autor, que deixou de escrever para se dedicar exclusivamente à direção do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cargo que assumiu até
quase o fim de sua vida, Velórios (publicado
em 1936) tem como unidade a “indesejada das gentes”, mais precisamente o
reflexo dela nas pessoas que ficam. A maioria tem algumas cenas que acontecem
justamente nesse ambiente algo sombrio e melancólico, em que a vida e a morte
se intercalam em uma mesma sala, em que conversamos com o corpo frio do ente
querido e fazemos homenagem a sua memória. É também local de conversa, de reencontro,
há de tudo um pouco nesse momento.
Há, por exemplo, os “fiascos”,
como o protagonizado pela viúva no conto “Martiano e a campesina”, que grita: “Mataram
meu marido! Essa gente matou ele! Perseguiram ele até matar!”. Há os
falatórios, como as das cunhadas da viúva em “O enterro do Seu Ernesto”, que
criticam a mulher por não querer chegar perto do corpo do marido: “Ela tem
nervoso de ver ele? Isso é porque ficou com a consciência suja.” Há também as
revelações de que o morto não era assim tão bom como se dizia, dessa vez em “Seu
Magalhães suicidou-se”, cuja viúva relata ao sócio do marido os casos que este teve
com as irmãs da própria mulher.
Pedro Dantas, autor
do prefácio da edição que tenho em mãos (José Olympio Editora, 1982, 3. ed.),
escreve que “neste Velórios, o que
mais importa não é a morte dos homens, é a sua vida”, tanto a do morto quando
as do que os velam. Não à toa relembramos sempre as histórias que a pessoa
vivenciou e da qual, de certa forma, fizemos parte. Rodrigo M. F. de Andrade
registrou algumas dessas histórias, não ocultou nada e imortalizou essa
instituição tão brasileira que é o velório e tudo que o cerca.
A leitura desse
pequeno volume faz parte de uma sequência de leituras que venho tentando realizar
de livros de contos publicados a partir dos anos 20 do século passado, tendo
como guia o estudo Conto brasileiro
contemporâneo, Antonio Hohlfeldt. Li
por esses dias Galinha cega, de João
Alphonsus, e A cidade que o diabo
esqueceu, de Orígenes Lessa, lançado já nos anos 30.
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