Alçapão, de André Ladeia
Um registro rápido
da leitura de Alçapão, de André Ladeia
(Editora Oito e Meio, 81 páginas). Já conhecia o autor pelo seu primeiro livro,
Suave como a morte, cuja abertura é
um belo poema que dialoga com a dedicatória de Brás Cubas em suas memórias. A
intertextualidade, quando bem empregada, tende a me conquistar como leitor.
O livro recente tem
poemas muito bons e outros nem tanto, pelo menos na minha percepção. Não sou,
porém, bom crítico de poesia. Leio poucos livros de poemas. Pego aleatoriamente
um e outro para ler, principalmente quando leio em voz alta nas aulas de
literatura. Sei, no entanto, que o escritor, na maioria das vezes, tem um
projeto de livro, e os versos acabam funcionando melhor quando em conjunto. Mal
comparando, uma coisa é ouvir uma música do Pink Floyd isoladamente. Outra
coisa é a canção no conceito proposto pelo álbum. A apreciação estética é
diferente.
Pensei em ler Alçapão numa estrutura conceitual a
partir do título. Lembro que num encontro de um grupo de estudos poéticos, o
grande mestre e doutor na arte poética, o professor Norberto Perkoski (que
escreveu a apresentação do meu romance, Os
óculos de Paula), disse que o alçapão simboliza algo relacionado à
separação de um casal. Tentei ler a obra de André Ladeia nesse sentido. Leitura
equivocada a minha.
Na dedicatória que me
fez ao me enviar um exemplar, escreveu que o livro era “uma armadilha poética”.
Mesmo dessa forma, não fui capturado. É no sentido de porta que leva ao
pavimento inferior de uma casa, o porão, a linha que acabei seguindo para a
leitura. Desci.
Desci com o
escafandrista ao fundo do mar, com os mineradores aos túneis, com as guilhotinas
que cortam as cabeças, com as cabeças que “quicam/ao olhar/ dos curiosos”, com
o corpo que cai pendurado com uma corda no pescoço, com as colunas que
sustentavam a construção, com o corpo no túmulo úmido, com a poeira caindo
sobre os livros, com as gralhas que “Disputam/Aos tapas/As migalhas/Deixadas”. Dessa
feita, consegui entrar no alçapão da mente de André Ladeia e os poemas ganharam
com isso e eu ganhei como leitor.
[Os críticos, não
raro, inventam mais do que realmente dizem as palavras], reverbera o eu lírico
de “Perdido no poema”. Os críticos, na verdade, são leitores mais experimentados,
que ajudam o leitor a ler. Nesse caso, fui o crítico que ajudou a si mesmo.
Destaco os poemas: “Perspectivas
do de cujus”, “Retrato de velhos
tempos”, “Uma vida entre os livros”, “Gralhas”, “O homem”. E, para arrematar, há
uma narrativa em modo dramático que cairia muito melhor num livro de contos. “Domingo
em Rigel Kent” se passa numa pequena cidade cujo prefeito decreta que quase
todos os dias sejam domingo. Os cidadãos, no entanto, que necessitam da
burocracia da prefeitura, não conseguem realizar suas demandas. Uma alegoria
bem elaborada sobre as atitudes duvidosas dos governantes e da apatia de parte da
população que aceita tudo: “o prefeito não erra”.
Vale a leitura.
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