Uma barata chamada Cichetto
Prefácio que escrevi para o livro que reúne as crônicas do Barata Cichetto. Para comprar o livro, entre em contato com o autor: barata.cichetto@gmail.com
Conheci o Barata Cichetto
há pouco mais de cinco anos através de um de seus programas de web rádio.
Depois de muita paulada sonora, rock de primeira, entrava uma voz cavernosa,
com efeito de eco e ar messiânico lendo poesia! Estava diante de algo
diferente, não me lembrava de ter ouvido algo parecido em um programa de rádio,
mesmo na internet. Entrei em contato com ele, visitei seus blogues, e conheci o
Barata cronista, além do poeta, contista, editor e mais das “trocentas”
atividades que o cara faz há décadas. E, bem, ele tem como uma das referências o
Franz Kafka. A confraria dos kafkianos é seleta.
Reunir suas crônicas
em um volume que “para de pé” é necessário (e mais um desafio de uma cara que
sempre arrisca) para registrar suas opiniões contundentes, sua pena sarcástica,
seu lado “lítero-rock-cronicamente-incorreto”. Ter a honra de ser escolhido
para ler e reler os fragmentos do pensamento dessa mente inquieta (mais de
quatrocentas páginas que não dão conta do que ele tem para dizer!) e escrever
sobre isso me pôs numa responsabilidade tremenda. Um pedido do poeta, porém, é
uma ordem, apesar dessa palavra, “ordem”, não ser da predileção deste artista
caótico.
A crônica é um gênero que aceita uma porção de
formas para sua composição. Barata sabe utilizar essa infinidade de recursos.
Alguns, por exemplo, são poemas em prosa (como “O Escafandro e o Leão”), contos
(“A História do Incrível Tom Vermelho e seu Incrível Gato Matapun”), manifestos
(como o que dá título ao livro), depoimentos pessoais e memórias, resenhas (de
livros, filmes ou discos), textos”desabafos do facebook”, prefácios, ensaios,
artigos.
Já na “Introdução
nada elegante” ele mostra a que veio, usando da escatologia para mostrar que
sua escrita é uma necessidade fisiológica. Quem conhece seus poemas não se
surpreenderá com a crônica-introdução. Quem não o conhece terá o prazer ou
desprazer de ser apresentado de forma nada lisonjeira ao Barata Cichetto.
Os temas são
diversos. Fala sobre o Barata adolescente em “O Sofá-Cama Vermelho (Ou As Mulheres Preferem
os Espertos)”, mais precisamente sobre o que é ser esperto nessa idade, se é
ser o valentão, o pegador ou leitor. Sabiamente, e para nossa sorte, ele
escolheu por esse último “tipo de esperteza”. Em “O Que Eu Poderia Ter Sido, o
Que Fui... E o Que Sou”, lembra, entre outros momentos de sua vida, quando
deixou os estudos regulares do colégio, procurando somente as putas da Boca do
Lixo. Seguiu na época, sem saber, um dos conselhos do escritor chileno Roberto
Bolaño, cuja obra ele veio a conhecer anos depois: “A un aspirante a escritor le daría el
consejo que nos dábamos los jóvenes infrarrealistas en México. Cuando teníamos
20, 21 años, teníamos un grupo poético, y éramos jóvenes, maleducados y
valientes. Nos decíamos: vivir mucho, leer mucho y follar mucho.”
Escreve sobre a paixão pelos livros, em “O
Amante Perfeito” e pela poesia em vários textos. Imagina o ano de 2058, quando
teria 100 anos. Diz: “Sou racista: não suporto a raça humana!” na sucessão de
frases de “Tarde Demais!”. Escreve sobre os palavrões, cria um prefácio para um
romance que nunca escreveu (mas que ainda dá tempo!), analisa a web rádio, tece
uma ode ao cigarro (e lembro quando recebo seus livros com o forte odor dos
cilindros brancos), fala sobre a morte, a dos outros e a dele.
Barata escreveu
muitas notas de rodapé para citar as referências que vão aparecendo ao longo
dos textos, mas às vezes escamoteia essas explicações para deixar para os bons
entenderes essas relações. Tem ciência de que a obra literária não pode ser
didática, por isso não abusa das notas. Quer dizer, às vezes abusa sim, mas
esse é o Barata que usa e abusa das palavras, do leitor, da literatura.
Escreve em uma das
crônicas: “...eu contemplo as ondas, pois são elas que formam o oceano”. Mais
do que contemplar, antes ele dá o sopro forte (soprando a fumaça do cigarro) que
movimenta as ondas, provoca ressacas e nos puxa para a amplidão do mar. Aí sim
contempla o efeito das suas palavras, sempre contundentes, sempre ferindo.
O Luiz Carlos é a
barata raul-seixeana na tua sopa (mosca é para os fracos!), a barata clariceana
que te espreita num quarto abandonado e que tu desejas engolir, é a barata kafkiana
que prende teu corpo em uma cama. É a barata que não é pisada, mas sim aquela
que pisa e esmaga o nojento ser humano.
Cassionei Niches
Petry é leitor, escritor, professor e mestre em Letras (necessariamente nesta
ordem), ainda que muitos pensem o contrário. Cometeu o crime de publicar, em
edições precárias que quase ninguém leu, o livro de contos Arranhões e outras feridas e o romance Os óculos de Paula. Tem pelo menos três livros prontos para também
não serem lidos. Suas palavras ao vento podem ser recuperadas no blog
“Cassionei lê e escreve” (www.cassionei.blogspot.com).
Comentários