Escrevi sobre "Conversación en Princeton", de Vargas Llosa

Estou religiosamente colaborando semanalmente com o Blog do Gustavo Nogy no site da Gazeta do Povo. Hoje escrevi sobre um livro de Vargas Llosa ainda inédito no Brasil. (Ed. Alfaguara). http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/gustavo-nogy/2018/05/02/conversas-com-vargas-llosa/


Conversas com Vargas Llosa
Por Cassionei Niches Petry
Un escritor se aísla, crea en soledad,
enfrentándose a sí mismo y a sus fantasmas.
MVLL

Não é sempre que se pode ter aulas com um Prêmio Nobel de Literatura. Numa época em que o ensino a distância vem ganhando cada vez mais espaço, ler a transcrição de conversas durante um semestre de 2015 entre Mario Vargas Llosa e alunos da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, não deixa de ser relevante.
Conversación en Princeton (título que faz referência a uma das obras-primas do escritor, Conversación en La Catedral, em uma das traduções no Brasil, Conversa no Catedral) foi lançado para o mundo hispânico no início de 2017 pela Alfaguara e ainda é inédito por aqui. Por isso os trechos desta resenha foram traduzidos por mim. Rubén Gallo, organizador e mediador nas conversas que compõem o livro, conta no prólogo sobre as passagens do romancista peruano na Universidade, sendo que uma delas acabou coincidindo com o anúncio do Nobel, resultando em episódios que fazem parte do anedotário em torno de Vargas Llosa.
A conversa começa sobre o romance. Gallo questiona se é um gênero burguês realmente, como apregoam os teóricos. Para Llosa, o romance surge, ou melhor, se estabelece, ligado ao crescimento das cidades, não necessariamente à burguesia do século. “O mundo rural produz poesia, mas a cidade fomenta o desenvolvimento da narrativa.” Vê no existencialismo sartriano uma influência muito forte no início de sua carreira, como de resto de boa parte dos escritores latino-americanos, que felizmente não optaram pelo romance socialista panfletário que servia para educar as massas.
Sobre o boom da literatura latino-americana, do qual foi um dos protagonistas, relata, por exemplo, a relação do escritores do movimento com a Revolução Cubana. Lembra que Julio Cortázar evitava a política, porém uma visita a Cuba pós-revolução o fez mudar de posicionamento, transformando-o num militante. Não por acaso, e aí é uma interpretação deste crítico, o Cortázar “a. C” (antes de Cuba) é melhor do que o Cortázar “d. C”. Vargas Llosa, ao contrário, se entusiasmou com revolução, entretanto foi “pouco a pouco descobrindo uma realidade mais obscura”, até chegar ao “caso Padilla”, que o fez romper com Cuba e sofrer represálias dos intelectuais por isso.
Outros temas abordados: as diferenças nas traduções de sua obra; a relação entre jornalismo e literatura, com uma elucidativa diferenciação entre a reportagem jornalística (que se vale de técnicas literárias) e a ficção; a censura e a autocensura (“essa autocensura é o pior que pode existir em uma sociedade, pois se trata de um censor que se carrega dentro de si”); etc.
Analisando cinco de seus livros (quatro romances e as memórias), a conversação trata, entre outros assuntos, da “literatura difícil”, a respeito da técnica em Conversa no Catedral (“A dificuldade não nasce de vontade puramente artística senão de uma necessidade de representar uma realidade complicada, uma vida complicada, um mundo complicado.”), em que é necessário um leitor não passivo, que reconstrua o vai e vem temporal do enredo; a criação de personagens, numa mistura de personalidades e características físicas de pessoas reais que servem de modelo para o escritor (“Os personagens literários são sempre amálgamas.”); da homofobia nas ideologias de esquerda, a partir do protagonista de História de Mayta e a recepção do romance, assim como da conversão da crença cristã para a crença marxista (“Mayta foi bastante crente desde criança e recebeu uma formação religiosa. É um caso muito comum: aqueles que foram demasiadamente crentes e abandonam a religião necessitam seguir acreditando e por isso buscam um dogma distinto que abraçam com um fervor quase religioso. Além disso, a ideologia marxista, tal qual a religião, oferece repostas para tudo porque é um mecanismo autossuficiente.”); das expressões idiomáticas como “Jijunagrandísimas”, palavra que abre o romance Quem matou Palomino Molero (Remy Gorga Filho optou por traduzi-la como “filhosdumagrandíssima”); da diferença entre os ideais e a realidade política em Peixe na água, em que relata, por exemplo, as campanhas difamatórias contra o escritor quando foi candidato à presidência do Peru; dos tiranos como Trujillo, retratado em A festa do bode, cujos seguidores e defensores se parecem muito com os fiéis que acampam em frente a cadeia onde está preso certo líder latino-americano; e de muitos outros detalhes técnicos (como o “dado escondido”), temas e repercussão dos livros de Vargas Llosa.
No capítulo 8, uma outra voz entra na conversa. Trata-se de Philippe Lançon, jornalista sobrevivente do ataque terrorista no semanário Charlie Hebdo, de Paris, convidado para uma palestra por Rubén Gallo. A liberdade de expressão em meio a ameaça terrorista é o tema do encontro.
Haveria muito ainda para comentar sobre Conversación en Princeton, que é um livro riquíssimo. Vale a leitura para quem se arrisca na língua de Cervantes e não quer aguardar a tradução por estas bandas. Para quem leu os romances, é um acréscimo à leitura. Para quem não os leu, há revelações dos enredos, por isso é um livro destinado a quem já conhece a obra de Vargas Llosa.

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