Sobre "Interrompidos", de Alê Motta
Minha colaboração semanal com o blog do Gustavo Nogy, no site do jornal Gazeta do Povo, é sobre livro de Alê Motta: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/gustavo-nogy/2018/05/16/minicontos-para-ler-sem-pressa/
Minicontos para ler sem pressa
por Cassionei Niches Petry
A
arte do miniconto, aparentemente fácil, é uma atividade bem realizada por
pouquíssimos escritores. A maioria que se aventura nesse caminho acaba
escrevendo contos que dão uma sensação de pressa. O miniconto não deve ser um
conto apressado. Muito menos deve ser lido com pressa. Erra quem pensa que esse
tipo de conto é o ideal em um mundo em que tudo acontece cada vez mais rápido.
O
bom miniconto tem início, meio e fim, mais precisamente uma situação inicial,
um nó que desiquilibra essa situação provocando o conflito, o clímax e a
situação final, o desfecho, um novo equilíbrio. Tudo isso? Sim, tudo isso,
apesar de boa parte desses elementos ser escamoteada, pois o bom escritor de
minicontos sugere esses elementos e o bom leitor de minicontos completa as lacunas.
Marcelino
Freire, na apresentação da coletânea Contos
de bolso, da editora Casa Verde, escreve: “Uma literatura menor. Por que
não? Pequena, magra, enxuta. Como toda boa literatura. Na penúria. Só o osso.
Para que dizer mais se podemos dizer grosso?” Pois Alê Motta, no seu livro de estreia, Interrompidos (Editora
Reformatório, 127 páginas) escreve grosso. Não por acaso o mesmo Marcelino é
autor de um texto para a quarta capa do livro.
São
dezenas de contos curtíssimos que não subestimam o leitor. Há também uma série
de fotos da autoria da própria escritora, como se fossem minicontos sem
palavras, instantâneos que não apenas ilustram, mas são partes importantes
desta pequena (no tamanho, formato 13x19) obra de arte que é esse livro.
O
tema que perpassa a maioria dos contos é a morte, muitas provocadas por
assassinatos, nada explícito, mesmo assim são cenas fortes, algumas com doses
de humor negro. Em “Meu chefe”, as duas frases finais dizem sem dizer: “Três
xícaras. Impossível não fazer efeito.” Duas frases. Impossível não fazer
efeito. Em mim fez. “Convite” é um “Venha ver o pôr do sol” sintético, que
Lygia Fagundes Telles assinaria se escrevesse minicontos. No lugar do
cemitério, no entanto, o namorado preterido leva a moça para o escurinho do
cinema.
Voltando
a questão da pressa, nesta resenha um pouco apressada, aconselho ao leitor ler
o livro com bastante calma, não leia todos os contos de uma vez. Li rápido e lá
pela metade da obra os desfechos me soaram repetitivos, nada mais me
surpreendeu como no início. A falha, porém, foi minha. Não desfrutei os contos
como eles devem ser desfrutados, interrompendo a leitura (por isso, creio, o
título), tirar os olhos do livro e preencher mentalmente os não ditos,
mergulhar no iceberg submerso e demorar lá no fundo. Não fui um leitor ideal.
Espera-se,
agora, que Alê Motta dê voos maiores, não se fixe apenas nos contos
minimalistas. Poucos são uma Lydia Davis da vida que se mantém por muito tempo
e bem lançando apenas minicontos. É preciso na Literatura personagens mais bem
trabalhados, que fiquem na mente do leitor por muito tempo, enredos mais
desenvolvidos, cenários abrangentes. Interrompidos
é um exercício de escrita (ao que parece fruto de oficinas literárias da
qual a autora participou). É necessário mais do que isso e Alê Motta parece ter
esse potencial. Aguardemos.
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