Fugindo da manada
Desconfio de protestos coletivos, greves (embora já tenha sido
grevista), passeatas, panelaços, boicotes. Onde há uma manada que vai por um
caminho, sigo a direção contrária. Ou então a observo passar de longe,
geralmente em cima de um muro.
O Brasil viveu mais uma onda, mais precisamente um tsunami
de manifestações. E aqui a metáfora faz sentido, pois ora tinha apoio da
ideologia da esquerda, ora da direita, o que causou um estranhamento: por mais
incrível que possa parecer, a direita passou a ser grevista e a esquerda
criticou a greve. Minha mente, sempre confusa com o oceano de incoerências de
nossa política, tenta encontrar um lugar alto para escapar do maremoto e ver os
estragos.
Após conseguir afastar do poder uma presidente e um partido
que levaram o país ao desastre, uma massa conduzida por “forças ocultas”
resolve parar o Brasil. E conseguiu, uma vez que se utilizou daqueles que
transportam o que precisamos no cotidiano, interrompendo o fluxo de nossa
riqueza. Para usar de outra metáfora, estancou nosso sangue.
A questão é que, conforme o sangue deixa de circular, começa
a faltar oxigênio para o cérebro, que passa a funcionar com dificuldade. Chega
um momento em que, mesmo com o sangue voltando a circular, os danos tornam-se
irreversíveis. E é o que vai acontecer depois da greve dos caminhoneiros. A
riqueza deixou de circular, produtos parados, estragando, prejuízos
incalculáveis que mexerão depois justamente nos bolsos da massa que apoiou toda
essa bagunça.
Uma greve de sucesso tem um fator importante que é o “time”,
saber o momento de parar, mesmo que todas as reivindicações não sejam
conquistadas. A greve dos caminhoneiros passou do “time” e, o que é pior, os
“paneleiros”, ao apoiá-la, desejam que continue para que outras demandas sejam
atendidas.
A massa, porém, não pensa. Ela é conduzida cegamente por um
pastor. Os rebanhos podem ser pastoreados por um engravatado no escritório ou
por um corrupto na cela da cadeia. Estes não sofrerão as consequências. A massa
é masoquista, pelo que parece. Gosta de sofrer, gosta de apanhar e sente prazer
com isso. E quando se revolta, apenas substitui o algoz por outro parecido.
Para Elias Canetti, no ensaio Massa e poder, além do mar, um dos
símbolos da massa é o bosque. O homem é como uma árvore entre outras árvores.
Há porém, trilhas a seguir entre elas, o que me faz lembrar de um poema de
Robert Frost: “Pois duas trilhas em um bosque divergiram, e eu,/ Eu tomei
aquela que menos percorreram,/ E isso fez toda a diferença”. Procurar outras
rotas, fugir dos bloqueios. É dura a vida de quem quer fugir da manada.
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