Escrevi sobre "Elza, a garota", de Sérgio Rodrigues
Minha colaboração semanal com o blog do Nogy na Gazeta do Povo:
http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/gustavo-nogy/2018/05/23/o-romance-que-esquerda-e-direita-nao-podem-ignorar/
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O romance que a esquerda e direita
não podem ignorar
Por Cassionei Niches Petry
Publicado
pela primeira há dez anos, o romance Elza, a garota: a história da jovem
comunista que o Partido matou, de Sérgio Rodrigues, ganha nova edição
pela Companhia das Letras agora em 2018, justamente durante a época em que a
polaridade ideológica entre direita e esquerda está cada vez mais acentuada e
que notícias falsas se disseminam de forma desenfreada.
O
que era para ser um livro-reportagem por encomenda da antiga editora
transformou-se num metarromance em que os meandros da criação literária são
expostos ao leitor. O processo de escrita desenvolve outro enredo, resultando
num romance dentro do romance. E como um dos temas é o que chamamos hoje de
“fake news”, pode-se dizer que a obra é um F
for Fake literário. Orson Wells assinaria. E nós, leitores, somos muito bem
ludibriados.
Molina
é um quarentão que vive sozinho, num apartamento bagunçado, e tem um
relacionamento com uma estudante de História bem mais jovem. Trabalha como jornalista
e está “em busca de uma história que valesse a pena contar”, quando é fisgado
por um anúncio dos classificados. É contratado, então, por Xerxes, noventa e
tanto anos, que deseja registrar suas memórias do tempo de militante comunista
e sua paixão por Elza, codinome de Elvira Cupello Colônio, que fora morta por
outros membros do PCB, estrangulada com uma corda, a mando de Luiz Carlos
Prestes. Sim, o “cavaleiro da esperança”. E, lógico, é um episódio que o
Partido tentou esconder.
A
obra retrata, portanto, parte de outro período conturbado da História do
Brasil, os anos 30, mais precisamente 1935 e 1936, que antecedem a ditadura de
Getúlio Vargas, quando o Partido Comunista Brasileiro vivia na clandestinidade.
Elza
tinha apenas 16 anos e era namorada de Miranda, secretário do Partido.
Analfabeta, desconhecia os reais propósitos de seus colegas. A velha história
da pessoa errada na hora errada. Para tentar responder as dúvidas que ainda
pairam sobre o episódio, Molina tenta preencher as lacunas através das
pesquisas.
Romance
polifônico, com a narrativa ora em 3ª pessoa (focada em Molina, na sua pesquisa
e na vida pessoal), ora na 1ª (com a história contada por Xerxes), mas também
com trechos de notícias, entrevistas, cartas, livros (como Camaradas, de William Waack) e outros documentos. Estes,
supostamente, corresponderiam aos fatos, enquanto que Molina e Xerxes
correspondem à ficção. Como, no entanto, verdades e mentiras se misturam no
romance, sendo que o adjetivo “comunista” do subtítulo é discutível, os fatos
podem virar ficção e os personagens de papel podem ser reais.
Confesso
que, durante a leitura, tudo me parecia muito previsível, porém o desfecho me
surpreendeu. Orson Welles, digo, Sérgio Rodrigues, sabe manipular o leitor. De
forma positiva, claro.
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