Escrevi sobre "Elza, a garota", de Sérgio Rodrigues

Minha colaboração semanal com o blog do Nogy na Gazeta do Povo: 
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O romance que a esquerda e direita não podem ignorar
Por Cassionei Niches Petry

Publicado pela primeira há dez anos, o romance Elza, a garota: a história da jovem comunista que o Partido matou, de Sérgio Rodrigues, ganha nova edição pela Companhia das Letras agora em 2018, justamente durante a época em que a polaridade ideológica entre direita e esquerda está cada vez mais acentuada e que notícias falsas se disseminam de forma desenfreada.
O que era para ser um livro-reportagem por encomenda da antiga editora transformou-se num metarromance em que os meandros da criação literária são expostos ao leitor. O processo de escrita desenvolve outro enredo, resultando num romance dentro do romance. E como um dos temas é o que chamamos hoje de “fake news”, pode-se dizer que a obra é um F for Fake literário. Orson Wells assinaria. E nós, leitores, somos muito bem ludibriados.
Molina é um quarentão que vive sozinho, num apartamento bagunçado, e tem um relacionamento com uma estudante de História bem mais jovem. Trabalha como jornalista e está “em busca de uma história que valesse a pena contar”, quando é fisgado por um anúncio dos classificados. É contratado, então, por Xerxes, noventa e tanto anos, que deseja registrar suas memórias do tempo de militante comunista e sua paixão por Elza, codinome de Elvira Cupello Colônio, que fora morta por outros membros do PCB, estrangulada com uma corda, a mando de Luiz Carlos Prestes. Sim, o “cavaleiro da esperança”. E, lógico, é um episódio que o Partido tentou esconder.
A obra retrata, portanto, parte de outro período conturbado da História do Brasil, os anos 30, mais precisamente 1935 e 1936, que antecedem a ditadura de Getúlio Vargas, quando o Partido Comunista Brasileiro vivia na clandestinidade.
Elza tinha apenas 16 anos e era namorada de Miranda, secretário do Partido. Analfabeta, desconhecia os reais propósitos de seus colegas. A velha história da pessoa errada na hora errada. Para tentar responder as dúvidas que ainda pairam sobre o episódio, Molina tenta preencher as lacunas através das pesquisas.
Romance polifônico, com a narrativa ora em 3ª pessoa (focada em Molina, na sua pesquisa e na vida pessoal), ora na 1ª (com a história contada por Xerxes), mas também com trechos de notícias, entrevistas, cartas, livros (como Camaradas, de William Waack) e outros documentos. Estes, supostamente, corresponderiam aos fatos, enquanto que Molina e Xerxes correspondem à ficção. Como, no entanto, verdades e mentiras se misturam no romance, sendo que o adjetivo “comunista” do subtítulo é discutível, os fatos podem virar ficção e os personagens de papel podem ser reais.
Confesso que, durante a leitura, tudo me parecia muito previsível, porém o desfecho me surpreendeu. Orson Welles, digo, Sérgio Rodrigues, sabe manipular o leitor. De forma positiva, claro.

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