O desprezo da literatura por quem faz literatura
“O crítico literário só tem um partido: o partido da
literatura”, escreveu Álvaro Lins no prefácio ao primeiro volume do seu Jornal de crítica, de 1941. Essa
afirmação do grande mestre está estampada na parede a minha frente, acima do
computador, junto com outras tantas anotações que me guiam. Nas últimas
eleições, fiz de tudo para não esquecê-la. Apesar de não ser a rigor um
crítico, afinal escrevo sobre livros de forma amadora, sou fiel à literatura. É
minha ideologia, é meu partido, é minha religião.
Infelizmente, vejo nos literatos brasileiros uma
subserviência cega às ideologias. Tudo é maior do que a literatura para eles.
Quando um escritor ganha um concurso literário, por exemplo, seu discurso e
entrevistas dão ênfase à situação do país, à defesa de políticos, a opiniões
sobre assuntos polêmicos, enquanto que o fazer literário, construção de
personagens ou mesmo as leituras que o inspiram ficam em segundo plano, se é
que são mencionados.
A oportunidade de colocar a literatura em primeiro plano é
desperdiçada. Essa atividade, que tão pouco espaço tem, cede seu lugar a
assuntos que já estão sempre em pauta.
O mesmo ocorre em vestibulares, Enem e mesmo nos prêmios
literários (como o Nobel). Ora, as universidades que trazem em suas listas de
leituras obrigatórias letras de música (seja MPB ou Rap), tirando lugar da
poesia, só fazem dar espaço para algo que já tem um público específico,
perdendo a chance de apresentar aos leitores outros poetas que não têm tanta visibilidade.
No Exame Nacional do Ensino Médio, há poucas questões de literatura e o Nobel
chegou a premiar um cantor, Bob Dylan, pela qualidade literária de suas
canções, sendo que ele já recebeu diversos outros prêmios musicais, que por sua
vez não dão espaço para poesia. E aqueles escritores que dedicam suas vidas a
fazer literatura, a escrever livros para serem lidos em primeiro lugar, são
cada vez mais menosprezados, inclusive nas poucas oportunidades que teriam para
brilhar.
Voltando à questão política, é difícil aceitar o engajamento
de escritores em campanhas e defesas de partidos, ainda mais quando deixam de
escrever ou, quando o fazem, é elaborando panfletos que, por consequência, não
possuem qualidade. Nenhum defesa de uma suposta democracia (que aqui no Brasil
significa aceitar as ideias do outro) justifica o escritor abdicar de sua
função. Se o faz, deixa de ter independência, e o artista independente é
justamente aquele que faz o leitor questionar o mundo a sua volta a partir de
um texto que o incomoda, que o inquieta. A boa obra de arte faz isso, incomoda,
faz pensar, mas não deve conduzir o leitor a pensar de uma maneira única. Isso
não é arte, mas sim doutrinação, pregação, tudo que a grande literatura deve
evitar.
Escritores: que tal escrever, ler, comentar suas
leituras, fazer da literatura a protagonista de suas histórias e nas redes
sociais? Ela merece.
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