Vila-Matas publica mais um livro para quem é doente de Literatura



Enrique Vila-Matas respira literatura e inspira nos seus leitores o culto a essa atividade tão menosprezada e subestimada. Faz de sua obra uma ode às letras, à grande arte literária, a seus escritores. Não esquece, porém, as outras artes, e as relações com a sua própria escrita.

Impón tu suerte (Editora Círculo de Tiza, 488 páginas) é um tipo de publicação recorrente de Vila-Matas, em que reúne artigos da imprensa (principalmente da coluna Café Perec, no jornal El País), conferências (sempre lê suas palestras, algo comum na Europa e que aqui não é bem visto), ensaios longos e não tão longos, além de resenhas, tanto de lançamentos como de obras já consagradas. Costuma repetir os textos em livros diferentes. Alguns dos artigos retirados da coluna Relecturas, também veiculada no jornal El País, apareceram, por exemplo, sem os títulos, como notas no final de Para acabar con los números redondos (que havia sido publicado como livro solo em 1997), parte integrante de Una vida absolutamente maravillosa – ensayos selectos, de 2011, que por sua vez já reproduzia outros ensaios presentes na coletânea recente, alguns com títulos distintos.

O escritor espanhol traz suas obsessões literárias, como a obra do amigo Roberto Bolaño, lembrado no ensaio “Los escritores de antes” e que, como ele, unia vida e literatura:

“…lo que no tardé nada en ver o en reconocer en Bolaño fue a un ermitaño lunático o, mejor dicho, a ‘un escritor de antes’, esa clase de personajes que consideraba ya inencontrables porque creía que pertenecían a un mundo que había entrevisto en mi juventud pero que se había ya perdido para siempre; ese tipo de escritor que jamás olvida que la literatura, por encima de todo, es un oficio peligroso; alguien que no solo es valiente y no pacta ni un ápice con la vulgaridad reinante, sino que muestra una contundente autenticidad y que une vida y literatura con una naturalidad absoluta; un increíble superviviente de una especie en extinción; ese tipo de escritor sorprendente que pertenece con orgullo a una casta de gente zumbada, obsesiva, maníaca, trastornada en el buen sentido de la palabra: tipos obstinados, muy obstinados, que saben ya que todo es falso y que, además, todo absolutamente todo acabó (creo que cuando uno está en situación de medir las dimensiones de lo falso y del final de todo, entonces, solo entonces, la obstinación puede ayudarle, puede empujarle a dar vueltas en torno a su celda para así intentar no perderse el único y mínimo instante –porque ese instante existe– que puede salvarle); tipos en verdad más desesperados que la famosa revolución, lo que en cierta forma les convierte en herederos indirectos de los misántropos desahuciados de antaño.”

Vila-Matas também nos apresenta a alguns escritores desconhecidos e consegue criar uma curiosidade em torno deles que nos faz correr atrás das obras. É o caso de Gesualdo Bufalino, que tem obra traduzida no Brasil, mas sem muita repercussão. Morador da Sicilia, na Itália, atraiu a atenção de Leonardo Sciascia no início dos anos 80 através de um prefácio em um catálogo de fotografias. Era já um senhor de sessenta anos, professor, vivendo uma vidinha pacata na ilha, e que depois de muita insistência confessou ter uma obra na gaveta. Tratava-se de Diceria dell'untore (O disseminador da peste, editada por aqui pela Berlendis Vertecchia), que o transformou num autor de relativo sucesso, principalmente de crítica.

Já no discurso “El futuro”, lido durante a cerimônia de recebimento do Prêmio Juan Rulfo, no México, Vila-Matas fala sobre o futuro do romance, dos leitores, do próprio escritor: En un mundo en el que quienes leen son una pavorosa minoría, un escritor ya bastante hace con sobrevivir.” No ensaio que intitula o livro, por sua vez, frisa que o artista da palavra é um resistente e deve se atrever, lutar e ter fé na sua arte:

Creo —como creía Duchamp— que el arte es la única forma de actividad por la que el hombre como tal se manifiesta como verdadero individuo. Y también creo que sólo gracias a esa actividad puede ese hombre superar plenamente el estadio animal, porque el arte es una salida hacia regiones donde no dominan ni el tiempo ni el espacio. Vivir es creer que el arte es la forma más alta de la existencia. Pero, para creer en esto, hay que ser conscientes de que riesgo y arte, riesgo y literatura, van de la mano.”

Em várias passagens, me identifico com o autor, como mudar os gostos com relação ao entretenimento, evitando ir a alguns ambientes: Desde que descubrí que nada hay tan aburrido como la diversión, evito frecuentar lugares a los que antes iba. Y eso ha ido modelando mi carácter como el mar esculpe una roca.” Ou então sobre a atração pelo ambiente do porão, que em español é “sótano”: “…los sótanos, esos lugares quietos y misteriosos que antaño fueran los templos de la imaginación.” Também compactuo com a valorização da grande literatura, ou Literatura com L maiúsculo: “hay una gran literatura que está pensada, no para leerla con una lámpara cayendo sobre la cama, sino con el resplandor mismo de la pólvora.” E penso como ele que, muitas vezes, o que interessa não é escrever um texto que vai “causar” ou “lacrar”, principalmente em relação à política, mas sim se deve fazer literatura: “No quiero polémicas, yo escribo.” Será que vale mais a opinião de um artista sobre a política do que sua própria arte ou “... cada vez mayor interés de los periódicos en las opiniones políticas de los escritores es una tendencia que encubre un ambiente general de desdén hacia la literatura?”

Ler a ficção e a não ficção de Enrique Vila-Matas é a mesma coisa. Praticamente não há distinção. Nos seus romances e contos há trechos de ensaio, assim como em seus artigos ele inventa bastante, inclusive falsas citações, e ele admite isso em Impón tu suerte. Por isso é uma leitura prazerosa para nós, seus admiradores que, como ele, vivem a Literatura praticamente 24 horas por dia. Para quem sofre, só para lembrar de um grande romance seu, dO mal de Montano.

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