Quem não tem teto de vidro...



 Tanto no cinema, quanto na literatura (e, em poucos casos, na música), há trilogias e há Trilogias. M. Night Shyamalan fecha uma Trilogia com T maiúsculo, pelo menos na opinião deste crítico literário que às vezes se arrisca a falar sobre filmes.

Vidro, lançado no começo deste ano, encerra um enredo iniciado com Corpo Fechado, de 2000, e que teve como segunda parte Fragmentado, de 2016 (cujo protagonista, que possui 24 personalidades distintas, é interpretado por James MacAvoy). Só aí nos damos conta da imprecisão da tradução do título do primeiro filme, que em inglês é Unbreakable, ou seja, inquebrável. A expressão “corpo fechado”, no Brasil, tem conotações ligadas a religiões de matriz africana, o que não tem nada a ver com a história. E se pensarmos que o “herói” (David Dunn, interpretado por Bruce Willis), cujo corpo não sofre ferimentos tem como antagonista um sujeito (Elijah Price, vivido por Samuel L. Jackson) cujos os ossos se quebram com muita facilidade, mais injustificável ainda é a escolha da tradução.

Reparemos ainda na sequência: inquebrável, fragmentado, vidro. Um corpo sólido, forte; outro que se fragmenta psicologicamente, em dezenas de personalidades, mas com resultados físicos, tornando o corpo ora fraco ora forte, mas muito, muito forte; e por último um corpo frágil, que se quebra fácil como o vidro, mas cuja mente é poderosa. São as diferenças que se completam, que precisam uma da outra e sempre quebrando regras: o justiceiro, que para fazer justiça o faz passando por cima da lei; o assassino que quer chamar a atenção, mas que tem o seu lado bom também; o vilão, outro assassino, que tenta manipular os outros dois para provar uma tese.

Pois é justamente este vilão, o Senhor Vidro, que dá nome ao derradeiro filme da trilogia e é seu protagonista. É ele que, na sua aparência frágil, preso a uma cadeira de rodas depois de quase cem fraturas nos ossos sofridas desde a infância, fã de histórias em quadrinhos, acaba criando as histórias, forjando, com sua mente criativa, formas de provar que pessoas com superpoderes existem, enquanto sua antagonista, uma psiquiatra, tenta provar que tudo é fruto de mentes perturbadas, e que há cura para isso. É no manicômio em que ela trabalha que se passa boa parte da trama, onde os três acabam sendo presos e cobaias das experiências de uma médica cujas boas intensões podem não ser o que imaginamos no princípio.

O diretor da obra-prima O sexto sentido pode não ter ainda conseguido criar um filme à altura daquele que o catapultou para o altar dos grandes realizadores do cinema. Como seu personagem, porém, ele consegue manipular nossas mentes, nos fazendo acreditar em alguns fatos que depois nos são desmentidos, em reviravoltas no enredo que se tornaram sua marca. Ele já levou muita pedrada com intuito de quebrá-lo. Como já demonstrou, porém, é inquebrável, mas sempre nos deixando fragmentos de sua mente, vá lá, brilhante.

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