Estreia minha coluna no Jornal Arauto


Tem um tempinho, caro leitor?

O título desta coluna é o mesmo do meu blog na internet e é inspirado em duas fontes. A primeira, é o romance Auto de fé, de Elias Canetti, em que o protagonista Peter Kien, apaixonado por livros, é expulso de casa por Therese, governanta que se tornou sua esposa pois cuidava com zelo de sua biblioteca de 25 mil volumes. Ele passa então a acomodar livros imaginários na cabeça e perambula pelas ruas carregando-os.
A segunda inspiração vem das ilustrações de Paul Rumsey, compostas por cabeças formadas por bibliotecas de diferentes formatos: hexagonais, com escadas, circulares, etc.
É o que tenho na cabeça, uma biblioteca. Penso em livros durante boa parte do meu tempo. E são reflexões sobre minhas leituras, em forma de resenha ou crônica, que compartilharei com os leitores.
Sobre a crônica, é um gênero destinado ao jornal, tratando de questões do cotidiano, algumas vezes com humor, outras de forma poética. A palavra vem de Cronos, deus do tempo na mitologia grega, que também originou vocábulos como cronômetro e cronologia. No seu início, a crônica era um registro de fatos históricos. Hoje, relata coisas do tempo presente, por isso na maioria das vezes tem seu valor só naquele dia. No outro, vai servir para embrulhar o produto da feira ou para forrar o local onde o animal de estimação faz suas necessidades.
Segundo a mitologia, temendo ser destronado por um de seus filhos (assim como fizera com o seu pai Urano), Cronos os engolia quando nasciam. Reia, sua esposa, ao conceber Zeus, enrolou uma pedra com panos e a ofereceu ao marido. Como ele devorava tudo, engoliu a pedra e Zeus, salvo, se tornou depois o mais poderoso dos deuses do Olimpo.
No dia-a-dia, estamos sempre olhando para o relógio. Temos hora para chegar ao trabalho, hora do descanso, hora para tomar o remédio, hora para pegar o ônibus, etc. Mas o tempo nos engana. Se saímos adiantado de casa, não encontramos obstáculos e chegamos cedo ao local desejado. O trânsito flui e o ônibus pode até sair da parada um pouco depois do seu horário. No entanto, se estamos atrasados, pode estar certo de que vamos esquecer alguma coisa em casa, nos obrigando a voltar, ou o trânsito estará lento, ou vamos encontrar um conhecido na rua que puxará conversa ou o ônibus vai sair pouco antes da hora. Isto tudo é um complexo aparato que o tempo usa contra nós, como se dissesse “aqui quem manda sou eu”.
Assim é o tempo. Ele nos limita. Tentamos, como Reia, enganá-lo, mas não conseguimos. Ele é implacável. Ele passa e a gente não sabe o que fazer. Somos escravos do relógio. Como disse o filósofo Herbert Spencer, “tempo é aquilo que o homem está sempre tentando matar, mas que no fim acaba matando-o.”
O tempo passa e, como o deus Cronos, devora tudo o que vê pela frente, principalmente aquilo que deixamos de fazer agora. Há uma música de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc, cujos versos dizem que o tempo ri e zomba da gente “porque sabe passar e eu não sei”. Se não soubermos aproveitar o tempo presente, ficaremos cada vez mais perdidos neste mundo do corre-corre e envelheceremos cada vez mais tristes.
O que espero é que o leitor conceda um pouco do seu tempo para ler esta coluna. Tenho certeza de que não será uma perda de tempo.

Cassionei Niches Petry é professor e crítico literário. Tem três livros publicados e mantém o blog “Uma biblioteca na cabeça”. 

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