Uma biblioteca na cabeça (ou Quero ser delatado, por favor!)



Fico imaginando Bezerra da Silva ainda vivo, porém ainda não convertido como no fim da sua carreira, convocando alguns de seus compositores para criar mais um samba sobre ser dedo-duro. As delações premiadas seriam uma fonte de inspiração. O dedo de gesso de muita gente hoje aponta as falcatruas dos outros, falcatruas das quais também o mesmo dedo participou. Tudo pra se safar, diminuir pena e provar que o crime compensa, sim.
Não há uma ex-bandida que lançou livro, inspirou uma personagem de novela e, num programa de TV dominical, arrancou lágrimas de emoção da atriz que a interpreta? Um jogador de futebol assassino não foi recebido de braços abertos pela torcida de um time de futebol com direito a “selfies” de crianças? Pastores que enganam as pessoas com falsas promessas, seja de um céu perfeito ou mesmo uma vida de prosperidade aqui na Terra mesmo, não enchem os seus bolsos de dinheiro? Ser criminoso compensa, sim.
Como não sirvo para essa vida (ok, ok, minto, já baixei na internet uns filmezinhos, algumas músicas e um tanto de livros, mas não espalhem), acabo sendo um daqueles brasileiros que se contentam com uma vida simples, sem luxos, sempre com o saldo no banco negativado. Meu dedo de gesso aponta apenas alguns crimes contra a língua portuguesa, contra a má literatura e contra os que querem destruir a educação. Não vou mais longe do que isso, apesar de uma outra vez me meter em coisas de que não entendo muito, como a política (estou prometendo para mim mesmo não falar mais nela).
Então fico lendo e escrevendo. Ultimamente não vou a teatro, cinema, encontros de leitura, lançamentos de livros (e por isso o meu último lançamento foi um fracasso) salvo eventos que deem um pequeno cachê para dar um gás no saldo do banco. Só saio da toca para dar aulas e mesmo nas aulas me encasulo, porque a escola é uma miniatura da vida em sociedade, com todos os seus problemas dos quais tento, sem sucesso, fugir.
Saio do meu mundinho quando publico as coisas que escrevo. Este blog reúne todas as minhas críticas e resenhas publicadas em jornais e sites, além de crônicas, exercícios poéticos e aforismos que cometo por aí. Pois este blog recebe agora um novo nome, nova fase, novos ares, afinal seu autor fez 40 anos e acha que tem que mudar um pouco. “Uma biblioteca na cabeça” é um nome inspirado em duas fontes. A primeira, é o romance Auto de fé, de Elias Canetti, em que o protagonista, o erudito Peter Kien, apaixonado por livros, é expulso de casa por Therese Krumbholz, governanta que se tornou sua esposa pois cuidava com muito zelo de sua biblioteca de 25 mil volumes. Perambulando pelas ruas, entra em livrarias, compra livros imaginários e os guarda na cabeça, com medo de que sejam roubados.
A segunda inspiração vem da série de ilustrações de Paul Rumsey, “Libray Head”, em que se vê uma cabeça formada por estantes de uma biblioteca com diferentes formatos: hexagonais, com escadas, circulares, etc. Um paraíso, segundo Borges.
Pois é o que tenho na cabeça, uma biblioteca, pois penso em livros e em literatura durante boa parte do meu tempo.
Mas voltando ao início deste texto: o que tudo isso tem a ver com delação? Acontece, caríssimos leitores, que gostaria que vocês fossem acaguetes, X-9 mesmo, e colocassem a boca no trombone, delatando este crítico para que todo mundo o leia. Quero ser delatado, por favor! E não me declaro inocente.

Comentários

Mensagens populares