Coluna de nº 20 no Jornal Arauto



A escola não é assassina de leitores

Atentem para a seguinte declaração de um escritor que, apesar de ter pouca qualidade no que escreve, ganha notoriedade nos meios literários por ter vindo da periferia e costuma ser ouvido em muitos programas de cultura. Em entrevista há alguns anos ao programa “Provocações”, da TV Cultura, na época apresentado pelo saudoso Antônio Abujamra, o intelectual disse: “os professores tinham que ser treinados para ter amor pela literatura, porque a escola é uma assassina de leitores, quando ela manda resumir um livro em 20 linhas ela assassina qualquer tipo de leitor futuro.”

Essa afirmação generalizante é de um total desconhecimento tanto de educação quanto de formação do leitor. Na minha experiência como professor de literatura (e, por conseguinte, me sentido ofendido pela declaração), cheguei à conclusão de que não é papel da escola fazer com que o aluno goste de literatura (eventualmente, ela pode conseguir), mas sim apresentar a ele tudo que se fez de importante na história da humanidade em matéria de cultura, arte, pensamento. Aí se inserem as obras literárias. Geralmente, é um mundo do qual o educando tenta se afastar de qualquer forma, afinal há outras prioridades na sua vida que ficam a quilômetros de distância do conhecimento. O que é normal. Não é por isso que o professor vai deixar de, pelo menos, dar a oportunidade do jovem conhecer esse mundo. Se não o fizesse, estaria sonegando o acesso ao saber.

Não é a escola que assassina o leitor. Eu até pensava dessa forma e escrevi há quase 10 anos um texto, intitulado “Crônica de uma literatura assassinada”, em que me culpava por supostamente afastar os alunos dos livros. Penso um pouco diferente hoje. Claro que há muitos professores que dão aulas de língua portuguesa e não gostam de literatura. Muitos, porém, como eu, são apaixonados por ela, mas se veem obrigados a solicitar trabalhos porque os alunos não leem de forma nenhuma, a não ser por pressão. E aí vem a questão da formação do leitor. Simplesmente há aqueles que têm mais aptidão para gostar de ler e outros não. O próprio escritor mencionado é um exemplo disso. Despertado por leituras de Hermann Hesse (autor de “O lobo da estepe”), segundo disse em outra entrevista, ele acabou buscando outros autores e livros, criando sua rede de escritores preferidos. Nenhuma escola o tirou essa paixão, nenhuma influência de outras pessoas o fez mudar de caminho. Podemos dizer, portanto, que se há assassinos da literatura, estes são os diversos tipos de entretenimento à disposição da criança e do jovem e que são, para eles, mais interessantes do que um livro.

Quando um escritor vem a público fazer uma crítica sem fundamento à escola, mais alunos vão ver nela uma inimiga. Esse escritor faz um grande desserviço, ele que é uma espécie de porta-voz da periferia, dos desassistidos da sociedade, até porque também milita na cultura Hip Hop e ainda palestra na mesmas escolas que critica. Ele deveria dizer "molecada, vamos estudar e ler. Se é chato ou não, não importa, o importante é construir conhecimento. Os professores não são inimigos. Se eles pedem para resumir ou falar para a turma sobre um livro chato, é porque esse livro, em algum momento, disse alguma coisa para humanidade e continua dizendo, caso contrário, como muito outras obras, já teria caído no esquecimento. Se vocês não lerem, outros lerão, e terão mais conhecimento do que vocês.”

Agora, se o conhecimento perder sua relevância, como penso que já perdeu, não há nada a fazer.

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