Minha coluna no Jornal Arauto: "Psicose"



SANGUE NO RALO DO CHUVEIRO

Alfred Hitchcock costumava adaptar livros relativamente desconhecidos, transformando-os em obras-primas do cinema. “Vertigo”, por exemplo, filme batizado no Brasil como “O corpo que cai”, foi adaptado do romance escrito pela dupla Boileau-Narcejac. “Janela indiscreta”, meu preferido do universo hitchcockiano, foi inspirado em um conto policial de Cornell Woolrich. “Rebecca”, por sua vez, veio do livro da britânica Daphne Du Marier, que, ao que parece, plagiou o romance “A sucessora”, da brasileira Carolina Nabuco. Consta que essa autora plagiou também outro autor, Frank Baker, para escrever o conto “Os pássaros”, que também virou outra obra de destaque do “mestre do suspense”.

Um dos clássicos de Hitchcock se originou de “Psicose, romance de Robert Bloch, autor que influenciou boa parte dos escritores hoje considerados como mestres do terror e do suspense, como Stephen King, que analisou a obra de Robert Bloch no livro “Dança Macabra”. Para King, “Psicose” é um típico romance de Lobisomen, apesar de nenhum personagem se transformar em um mostro coberto de pelos. Temos aqui o conflito apolíneo e dionisíaco (a partir do conceito do filósofo Nietzsche) no interior do ser humano: “Não se trata de um mal externo ou predestinação; a culpa não está nas estrelas, mas em nós mesmos.”

A história inicia com o protagonista Norman Bates (o nome não é por acaso, pois ele é apresentado como um cara normal), um sujeito solteiro que tem em torno de 40 anos, gordo e de óculos (bem diferente do personagem do filme, vivido por Anthony Perkins), apreciador de música clássica, leitor de livros de psicologia e ocultismo e que tem como hobby a taxidermia, a arte de empalhar animais, um índice importante para a resolução dos conflitos do enredo. Dono de um motel (lembrando que, nos EUA, motel é como se chama um hotel de beira de estrada) com poucos clientes, vive com sua mãe repressora.

Nos capítulos seguintes, conhecemos Mary Crane, uma jovem funcionária de um escritório imobiliário de onde rouba 40 mil dólares. Na fuga, acaba chegando ao Bates Motel, onde encontra a morte pelas mãos da velha senhora enciumada. Ao contrário do filme, cuja cena do assassinato no chuveiro é icônica, no livro ela não é narrada em todos os detalhes. Apenas sabemos que “a faca (...) cortou o seu grito. E sua cabeça.” E para por aí. Como boa literatura, os acontecimentos da narrativa são mais sugeridos do que mostrados. Na sequência, o enredo se desenrola com a investigação sobre o paradeiro de Mary feita pelo detetive de uma seguradora, e pelo namorado e a irmã, bem como os desdobramentos do relacionamento conflituoso de Norman com sua mãe.

O final é surpreendente. Hitchcock, quando comprou os direitos de filmagem, também comprou todos os exemplares disponíveis para que mais ninguém soubesse o desfecho. Até gostaria de revelá-lo, pois acredito que os leitores já devem ter assistido ao filme. A ditadura do spoiler, entretanto, pode censurar meu texto. Prefiro evitar a fadiga.

A obra foi relançada no Brasil recentemente (a última edição por aqui havia sido em 1964!) pela editora Darkside, com tradução de Anabela Paiva e um trabalho gráfico impecável. Um livro que não pode faltar em nenhuma biblioteca.

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