As epidemias na Literatura
Há dez anos era a gripe suína. Hoje é o coronavírus. Em
outras épocas, a peste negra, a gripe espanhola, a epidemia da Aids (esta ainda
presente, porém sem muito alarde) e por aí vai. Em todos esses momentos vem o
medo, o pânico, um pouco de paranoia, somados ao fato de que algo desconhecido,
invisível, nos assola e quer acabar com o ser humano. Ou pelo menos com alguns
de nós. E na Literatura, como as epidemias aparecem?
Consultando minha fraca memória e os livros da minha
biblioteca (e, claro, uma rápida pesquisa na internet), podemos mencionar
muitas obras que trazem algo que se possa comparar com o que o mundo está
vivendo. Por exemplo, “Decamerão”, do italiano Giovani Boccaccio, um conjunto
de cem narrativas contadas por 10 jovens (por isso o título) que se isolam em
uma vila em Florença para fugir da peste negra, que aconteceu na Europa entre
1343 e 1353: “Esta peste foi de extrema violência; pois ela atirava-se contra
os sãos, a partir dos doentes, sempre que os doentes e sãos estivessem juntos”.
Coincidentemente, o vírus atual ataca de forma preocupante (muitas mortes em
pouco tempo) a mesma Itália e é emocionante assistir aos vídeos em que os
italianos, isolados em seus apartamentos, cantam nas sacadas. A arte, se não
cura, pode amenizar a dor.
“Durante muito tempo
devastara a Morte Rubra aquele país. Jamais se vira peste tão fatal e tão
terrível.” Assim inicia o conto “A máscara da Morte Rubra”, de Edgar Allan
Poe, mestre das histórias de terror do século XIX, mas também se referindo à
peste negra da Idade Média. Na história, o príncipe Próspero reúne seus súditos
para se isolarem em uma abadia fortificada e após promove um baile de máscaras.
Mal sabia ele que um dos mascarados estava ali para outro tipo de diversão.
Obra que também retrata uma
epidemia e suas consequências é “A peste”, de Albert Camus, publicada em 1947,
e que se tornou recentemente um best-seller devido ao Covid-19. No enredo, de
cunho filosófico, uma doença originária de ratos devasta a cidade de Oran, na
Argélia. São as reflexões dos personagens, porém, que fazem desse romance uma
obra recordada em épocas atuais, afora o caráter de alegoria relacionada à
ocupação da França durante a Segunda Guerra Mundial: “Houve no mundo tantas
pestes quanto guerras. E contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre
as pessoas igualmente desprevenidas”. É um mal que chega, sem muito alarde e,
quando menos se espera, toma conta e devasta um país.
“Ensaio sobre a cegueira”, de
José Saramago, de 1995, é outro texto literário que está sendo mencionado durante
a expansão do coronavírus. No romance do escritor português, uma epidemia de
cegueira branca se espalha em uma cidade e as pessoas infectadas são isoladas
em pavilhões sem nenhum contato com o resto da população que, em princípio, não
foi atingida. As disputas por poder no grupo infectado, principalmente em relação
ao controle de comida, trazem descrições duríssimas que mostram a crueldade do
ser humano.
Poderíamos citar muitas
outras obras porque a peste (do latim “pestis”, calamidade) é um tema recorrente
na Literatura. O que há em comum em todas é a metáfora para o mal que vem
sorrateiro, podendo ser uma ditadura, a guerra, a corrupção moral, e que se
instala na sociedade. Se a Literatura não pode mudar isso, pelo menos nos faz
refletir sobre o assunto sob o prisma da arte, o que não é pouco.
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