Sobre o destino
Jean-François Pierre Peyron (1744–1814)
“Ai de mim! Ai de mim”, repetem “ad nauseam" os
personagens das tragédias gregas, títeres dos deuses e do destino. O sofrimento
e a resignação que estamos vivendo (no momento em que edito este texto são mais
de 20 mil mortes causadas pelo coronavírus no mundo) são uma constante na obra
dos dramaturgos Sófocles, Ésquilo e Eurípides. Este último, por exemplo,
escreveu “Alceste”, em 438 a.C., que traz a história da mulher que
entregou sua vida aos deuses em troca da sobrevivência de seu marido, o rei
Admeto.
Segundo o mito em que se baseia a peça, Apolo foi punido por matar os
ciclopes que forjaram o raio de Zeus que matou Asclépio. Para tanto, foi
encarregado de servir durante um ano a um mortal. Escolhendo Admeto, consegue
convencer as Parcas para que este não morresse no dia destinado a ele. Elas
aceitam o pedido, desde que outra pessoa se oferecesse para morrer em seu
lugar. Admeto pensava que algum servo ou seus próprios pais se sacrificassem,
mas não o fazem.
Alceste, esposa fiel, decide ser a vítima, e a peça começa justamente no
dia em que Thânatos, a Morte, vem cumprir com sua obrigação. Apolo ainda tenta
fazer com que a rainha se livre, mas sem sucesso. O destino está selado. “É
mister que te conforme com a desgraça”, diz o coro ao rei. “Feliz ou não, que
cada qual tenha o seu destino”, diz seu velho pai, a quem Admeto renega por não
ter se oferecido para morrer.
Nesse meio tempo, no entanto, aparece Héracles, em viagem para realizar
mais um de seus 12 trabalhos. Para não ferir a lei da hospitalidade, Admeto
esconde a morte de Alceste, caso contrário o herói iria embora. Quando descobre
a verdade, depois de beber e fazer festa enquanto os criados estavam tristes,
Héracles tenta buscar no Hades a rainha, como reconhecimento ao ato do
anfitrião. Se irá conseguir? Sugiro que leiam a peça para conhecer o desfecho.
O que me inquieta nessas tragédias e na mitologia grega é a questão do
destino, do fado, das Parcas ou Moiras e das predições dos oráculos. Os mortais
tentam driblar o destino, quase sempre inexorável. Há, às vezes, algumas
brechas, ou estariam elas já pré-determinadas justamente pelo fado? Não
acredito em destino, não há nenhuma força superior que tenha um plano para nós.
Na literatura, porém, o tema é sempre instigante e gera obras-primas.
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