Minha coluna de hoje no Jornal Arauto
UM ROMANCE
QUASE DISPENSÁVEL
Muitas mulheres brasileiras, escritoras e intelectuais de outras áreas,
que atuaram do final do séc. XIX e início do séc. XX, tiveram suas obras escondidas
por um bom tempo. Nos últimos anos, porém, há uma onda de resgatar essas
autoras. Entre elas está Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). Já havia lido
elogios à escritora vindos de críticos como Wilson Martins e Rodrigo Gurgel,
porém a maioria dos estudiosos de literatura ignoraram sua existência. Ela não
consta em livros essenciais da história da literatura brasileira. Ou seja, não
está no cânone literário do nosso país.
Ao ler os dados biográficos de Júlia Lopes de Almeida, destaca-se o fato
de ela ter sido uma intelectual influente, tendo inclusive participado do grupo
que discutiu a existência da Academia Brasileira de Letras. Não levou nenhuma
cadeira, porém, pelo fato de decidirem seguir o modelo francês e fundar uma
instituição exclusivamente masculina. Para o seu lugar, foi o escolhido o
próprio marido, o poeta português Filinto de Almeida.
Isso já bastaria, claro, para os adeptos do politicamente correto e as
feministas tentarem resgatar a autora. Pesa ainda o fato de constarem no nosso
cânone escritores da mesma época que podem ser avaliados como medíocres.
Rodrigo Gurgel, em seu livro “Esquecidos
e Superestimados”, cita os exemplos de Adolfo Caminha e Franklin
Távora, ressaltando que Júlia Lopes de Almeida não deveria ser esquecida, pelo
menos devido ao romance “A
falência”, analisado pelo crítico.
Já a minha leitura de outro romance seu, de
1908, “A intrusa” (Editora Principis, 192 p.), me mostrou um enredo inverossímil e
bobo. Os personagens são patéticos, talvez até de forma proposital, porém não
me convenceram. No final do séc. XIX, o advogado Argemiro Cláudio de Menezes é
um viúvo que prometeu à esposa, no seu leito de morte, que jamais se casaria com
outra mulher. A filha do casal, Maria da Glória, fica com os avós maternos, um
barão e uma baronesa, morando numa chácara no subúrbio do Rio de Janeiro e ele
só a vê esporadicamente. Na tentativa de se aproximar da menina, decide contratar
uma governanta para cuidar dela. Publica um anúncio no jornal, em que impõe uma
condição: que ele nunca veja o rosto da contratada. Quem aparece para a
entrevista é Alice Galba, com um véu escondendo suas feições. Ela começa a
trabalhar rapidamente e agrada ao patrão pelo zelo na administração da casa e
pela forma como educa a menina, inclusive modificando seu comportamento mimado.
Por outro lado, Alice provoca inveja do empregado negro, Feliciano, que agora
não pode mais desviar dinheiro do patrão (há estudos que apontam rastros de
racismo nas obras da escritora) e principalmente da avó, Luiza, por sentir que
a intrusa estava substituindo-a na preferência de sua neta e por medo de que a
governanta fizesse o genro quebrar a promessa.
São cansativos os acessos de ciúmes da avó, assim como a apatia do avô,
a ingenuidade do protagonista, a mudança brusca de comportamento da menina
(influenciada por um discurso moralista e de caridade de Alice), a mudez da
governanta e suas escapadas dentro de casa para não ser vista por Argemiro, sem
falar do padre Assunção, que vestiu a batina porque perdera seu amor, que no
final é revelado ter sido a mulher de Argemiro (apesar de ser previsível o fato
desde a metade do romance, assim como é previsível o casamento do advogado e a
intrusa).
Apesar de tudo, destaco alguns trechos que me chamaram a atenção. São
conselhos de uma personagem, A Pedrosa, que quase salva o romance de torná-lo
dispensável (vale destacar ainda como ponto positivo a maestria de Júlia Lopes
de Almeida na criação de diálogos, visto que também foi dramaturga). Ela tenta
a todo custo arrumar um bom casamento para a filha. Em determinada altura,
afirma: “– Infelizmente, no mundo só os espertos alcançam bom lugar. Quem não
tiver cotovelos, não se meta nas multidões...” E arremata: “– Filhinha, assim
como devemos procurar certas relações, devemos evitar outras...”
Acrescento que, assim como devemos procurar ler certos livros, devemos
evitar outros. Fica a seu critério, leitor, procurar ou evitar “A intrusa”.
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