Não me perguntem qual é o nome da rosa
Isso se
torna mais claro quando o romance é “O nome da rosa”, de Umberto Eco (Editora
Record, tradução de Aurora Bernardini e Homero de Andrade), teórico italiano que
havia se notabilizado justamente pelo trabalho de semiólogo, ou seja, um
especialista no estudo dos símbolos linguísticos. Quando se aventurou na
ficção, estreou com um trabalho que até hoje (também passou dos 40 anos de sua
publicação) rende discussões, instiga novas interpretações e se tornou um
best-seller improvável, apreciado por diversos tipos de leitores.
Reler
esse romance me mostrou como eu não estava preparado para lê-lo tão jovem e com
tão pouca leitura. Para mim, a história não passava de um arremedo dos romances
de Conan Doyle. Os protagonistas, o frade franciscano Guilherme de Baskerville
(clara referência a um dos romances protagonizados por Sherlock Holmes, “Os
cães de Baskerville”) e o noviço Adso de Melk (que, bem velho, narra a história
que viveu com seu mestre, como faz o ajudante de Holmes, o doutor Watson),
investigam uma série de assassinatos em uma abadia na Itália, a partir de
sinais, pistas deixadas pelo assassino. Tudo levando ao clímax e um desfecho
surpreendente. Um romance policial na Idade Média, em suma.
“O nome
da rosa”, no entanto, é muito mais do que isso. É um romance histórico,
mostrando as intervenções da Igreja Católica medieval na luta pelo poder político
e as maldades perpetradas pela Inquisição, representadas na figura de Bernardo
Gui, que realmente existiu. É uma narrativa de aventuras, pois os personagens
passam por situações de perigo em busca de algo perdido, como nos filmes de
Indiana Jones (o ator Sean Connery, que faz o papel do pai de Indiana no
cinema, interpreta Guilherme de Baskerville na adaptação cinematográfica do livro).
É um romance de ideias, pelas discussões filosóficas, teológicas e literárias
entre os personagens, sem falar nas citações em latim (que a nova edição da
Record traz pela primeira vez traduzidas em um glossário). E é uma história de
amor de Adso por uma pobre camponesa que lhe deixou fortes lembranças (uma
recente adaptação para uma série de TV espicha em demasia essa relação).
Sobretudo,
é um livro sobre livros, sobre a paixão pelo saber, sobre bibliotecas e de como
elas são as guardiãs que preservam e difundem a leitura, mas também podem
esconder obras proibidas, consideradas perigosas por instituições como as
Igrejas ou próprio Estado (no nosso país volta e meia religiosos e governantes
propagam listas de livros que não devem estar ao alcance dos jovens). Em “O
nome da rosa”, a biblioteca da abadia é a maior da cristandade na época.
Comanda por um bibliotecário cego, Jorge de Burgos (uma referência ao escritor
argentino Jorge Luis Borges), se torna o centro de toda a trama.
“O bem
de um livro está em ser lido. Um livro é feito de signos que falam de outros
signos, os quais por sua vez falam das coisas. Sem um olho que o leia um livro
traz signos que não produzem conceitos, e portanto é mudo”, diz a certa altura
Guilherme de Baskerville a Adso de Melk. Seja, então, o decifrador desses
signos, caro leitor, não deixe esse e outros livros mudos nas estantes de uma
livraria ou de uma biblioteca.
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