Um mapa do silêncio
Já escreveu livros de poemas do mais alto grau artístico,
estreando com “Baixo relevo”, em 1983. Depois escreveu contos mostrando um
domínio narrativo e um olhar sobre as cidades do interior e seus moradores que
só um grande mestre tem, como em “Apenas um jogo”, de 2014, que, segundo Aldyr
Garcia Schlee (cuja memória está sendo vilipendiada pelo mau uso da camiseta da
Seleção, criada por ele), nos mostra “um autor definido e definitivo”. E ainda
escreveu um romance que, com experimentação na estrutura narrativa e
alternância de narradores, me surpreendeu. Trata-se de “A guardiã do fogo – uma
saga dos Monges Barbudos” (Editora Singram, 187 páginas), publicado em 2016.
O episódio dos Monges Barbudos é real, inclusive as fotos de
capa e quarta capa trazem imagens dos envolvidos. Foi um movimento messiânico
que aconteceu em Soledade, na década de 30, e envolveu agricultores que seguiam
os ensinamentos de um andarilho que dizia ser o monge João Maria, considerado
um santo no sul do país, uma figura mítica. Assim como no conflito de Canudos,
na BA, os comerciantes locais e os donos de terras, sentindo-se prejudicados
pelas atividades dos monges barbudos, que não cultivavam o fumo, por exemplo,
denunciaram os fanáticos, e o desfecho foi trágico.
Klafke, no romance, se utiliza de personagens reais, como
Deca França, o líder dos agricultores, e ficcionais, para retratar um fato tão
perturbador e ainda não muito bem esclarecido na História gaúcha. Um dos
narradores é Andressa, a guardiã mencionada no título, que além de ser a
responsável por manter vivo o fogo aceso pelos antepassados, mantém também
acesa a chama da memória da história do povo, como se fosse uma narradora do
mito, relatando a história a um “moço”. O outro narrador é Auri, numa chave
mais erudita, pois reflete sobre a criação literária e questões filosóficas e
sociológicas, fazendo o leitor questionar o que é ou não verdade na narrativa
ou no que se pode acreditar no que nos é contado: “Entre a realidade e o ato de
contar há muitas versões”.
Por isso a escolha do autor por gêneros textuais distintos
para compor o romance: a prosa poética e poemas em verso, o ensaio a la Montaigne e a narração propriamente
dita, tudo marcado por fontes tipográficas diferentes. Mas também é feita de
silêncios, que assim como os silêncios que intercalam a fala do escritor, são
momentos em que o leitor constrói a história junto com quem as conta. Como diz
um dos narradores: “Uma narrativa é feita de inúmeras lacunas porque a vida é
feita de lacunas”.
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