“O caminho na direção do Nada”
O que eu fazia aos 22 anos de idade? Lia bastante, escrevia
algumas coisas (crônicas, contos, resenhas), já tinha textos publicados em
jornais, cursava Letras na universidade, trabalhava de subgerente em um motel, terminava
minha carreira frustrada de “rapper”, já era casado e recém me tornara pai.
Estava, enfim, aprendendo a ser alguém, se é que me tornei alguém até hoje.
O escritor espanhol Alberto Olmos, por sua vez, aos 22 anos
escrevia seu primeiro e belo romance, “A bordo del naufragio", que li
recentemente. O jovem protagonista, da mesma idade do autor, é leitor e estudante
universitário e destila sua visão pessimista sobre o mundo (num falso foco
narrativo em 2ª pessoa que acompanha seus pensamentos), num dia em que nada dá
certo, ele que é um sujeito que, digamos, aceita o fracasso como forma de vida,
sabe que o navio vai afundar a qualquer momento, guiado por um capitão (ele mesmo
ou Deus?) que não tem nenhum controle.
O mapa do acaso me fez ler um livro escrito por um recém-licenciado
em Filosofia de 22 anos, um jovem, também ávido leitor, que perambulava pelas
noites da Romênia nos anos 30, quando a insônia o atacava, mas lhe
proporcionava reflexões filosóficas justamente sobre essa embarcação prestes a
naufragar que é a vida. Trata-se de Emil Cioran (1911-1995), que estreava com
um livro de ensaios filosóficos impactante, perturbador: “Nos cumes do desespero”. A edição mais recente no Brasil é da Hedra, com tradução direto do
romeno por Fernando Klabin.
O título faz referência ao suicídio, tema que perpassa a
obra. Mais uma vez o acaso quis que o livro fosse escrito em 1933. Trinta e
três, simbolicamente, é o número dos suicidas. No prefácio, Cioran afirma: “Se
não o houvesse escrito, eu com certeza teria posto fim às minhas noites”.
Nesses tempos de “coaching” e autoajuda, o filósofo se propõe a conduzir o
leitor não ao sucesso, mas ao fracasso, não a buscar a vitória, mas a sabermos
perder. Sua obra é um manual de antiajuda, como propõe Alberto Dominguez em um
livro sobre o autor. Os cumes do desespero, paradoxalmente, estão no abismo da
existência: “Os cumes, porém, não indicam necessariamente altura, mas penhasco,
profundeza. Viver nos cumes do desespero significa chegar aos mais terríveis
abismos”.
Os ensaios são compostos por frases inquietantes (mais
adiante o escritor viria a utilizar o aforismo como gênero principal de sua
filosofia lírica), que nos tiram do conforto e nos levam a sublinhar, copiar e
compartilhar: “Não faço a mínima ideia de por que devemos fazer algo neste
mundo, de por que devemos ter amigos e aspirações, esperanças e sonhos. Não
seria mil vezes mais preferível um recolhimento num canto, longe de tudo, aonde
não cheguem os ecos daquilo que constitui o ruído e as complicações deste
mundo?". “Se continuamos vivos, é graças à escrita, que, por meio da
objetivação, ameniza essa tensão infinita. Criar significa salvar-se
provisoriamente das garras da morte”. “O fato de que existo prova que o mundo
não tem sentido”. “A vida não passa de uma agonia prolongada”.
Esta reflexão se encaixa para a época que estamos
vivenciando: “Se as doenças têm uma missão filosófica neste mundo, ela não pode
ser outra senão demonstrar quão ilusória é a sensação da eternidade da vida e
quão frágil é a ilusão de uma definição e de um triunfo da vida”. E por fim,
num raro otimismo, ainda que com um pé na desventura de viver: “No fim de toda
a melancolia existe a possibilidade de um consolo ou de uma resignação”.
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