Tudo gravado nas minhas fitas K7
A leitura
da crônica “O homem de mudança”, do livro A última madrugada, de
João Paulo Cuenca, me fez lembrar que ainda tenho uma séria decisão a tomar:
jogo ou não jogo fora minhas caixas repletas de fitas cassetes? Já descartei
uma porção de papelada (cadernos escolares, recortes de jornal e revista, xerox
da faculdade, etc.) quando me mudei definitivamente para a casa onde moro há
quase dez anos, mas as minhas fitas, mesmo que não as esteja ouvindo mais –
pois hoje tenho tudo em formato MP3 e pode se ouvir quase tudo em streaming na internet –, não sei ainda
se vão para o lixo.
Cuenca se
viu em situação parecida quando teve que se mudar. Aliás, todos que vivem esse
ritual ou fazem reforma em algum ambiente da residência se veem retratados no
texto. O cronista, que está sendo alvo de processos coletivos absurdos de
membros de uma igreja que explora as pessoas, pergunta: “Se jogar suas
lembranças fora, o que sobrará? O que somos além desse acúmulo de passado e
esquecimento?”
Pergunto
isso a mim mesmo, porém, apenas quando a esposa pede para eu jogar minhas fitas
no lixo. Na verdade, não quero me desfazer delas. Nas minhas fitas está gravado
o que eu fui nos anos 90. Há de tudo ali: house, pop, rap, samba, MPB, rock
progressivo, erudito. Ouvia rádio da moda, dancei passinho marcado nas boates,
arrisquei ser MC e dançava break, virei ritmista no carnaval e dirigente de
escola de samba, fui arrebatado pela poesia da nossa canção, me encantei com as
narrativas musicais repletas de referências filosóficas e literárias do Rush e
dos Engenheiros do Hawaii, até refinar mais um pouco o gosto e me dedicar aos
clássicos. Gravava músicas do rádio, copiava de LPs e duplicava fitas. Meu
sonho era ter um 3 em 1 com dois decks da Gradiente ou da
Aiwa, para fazer cópias com mais qualidade. Meu micro system do
Paraguai deixava o som muito abafado e com ruídos.
Não guardo
as fitas – devidamente rebobinadas e conservadas em caixas de sapato –, só para
acumular coisas. Elas representam uma época da minha vida que passou, da qual
tenho saudades, mas que, sinceramente, não gostaria de reviver. Sou outro. O
que sou, no entanto, devo a esse período também. Quando olho para as caixas,
pego uma das minhas primeiras fitas e a ponho para tocar, faço uma viagem ao
passado, para depois voltar ao presente e chegar à conclusão: como eu era
ridículo e, às vezes, tinha péssimo gosto.
Mudamos de
casa, mudamos nossa própria casa, mudamos os gostos, mudamos quem somos. Nossas
lembranças, no entanto, não mudam. Elas ficam. Assim como fica a sensação de
que sou mais feliz sem precisar de fitas cassetes que arrebentavam e tinha que
ser emendadas com fitas durex. Mas não vou me livrar delas, assim como não me
livro da vida que precisa sempre ser remendada.
Cassionei Niches Petry
– professor
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