Dançando com o tempo no matadouro
Já no subtítulo, A cruzada das
crianças, uma dança compulsória com a morte, há uma pista de que o romance
é um libelo contra a guerra. A referência ao episódio em que crianças foram
convocadas para lutar na época das Cruzadas, mas que acabaram sendo vendidas
como escravas, acontece na própria fala do narrador. Os combatentes americanos
na 2ª Guerra Mundial não passavam de crianças jogadas ingenuamente a uma luta
que os levariam inevitavelmente a dançar com a morte. O protagonista da
história, Billy Pilgrim, é um deles.
O jovem se alista para lutar na guerra
e acaba prisioneiro em um matadouro na cidade de Dresden, na Alemanha. Acontece
que o soldado tem um problema: está solto no tempo, ou seja, viaja no espaço
temporal sem nenhum controle. Assim como ele está em um determinado momento na
guerra, pode estar no instante seguinte com sua esposa e filhos, trabalhando
como optometrista, ou então no planeta de Tralfamador, depois de ser abduzido,
vivendo uma espécie de Big Brother em uma redoma de vidro com uma atriz pornô
muito famosa, para delírio dos alienígenas. Portanto, sabe tudo sobre o seu futuro,
inclusive a data de sua morte. Estão nesses pontos os toques de ficção
científica, apesar de não ficar bem claro se a viagem é psicológica ou
material.
No campo da realidade, a guerra é
presença marcante. O protagonista (assim como aconteceu com o escritor na vida
real), está em Dresden no dia do fatídico bombardeio, um dos fatos mais
polêmicos do conflito, em que morreram por volta de 130 mil pessoas, mais do
que na bomba de Hiroshima. “É assim mesmo”, como diz a filosofia
tralfamadoriana, frase repetida durante muitas vezes, sempre que há referências
à morte. O livro foi uma catarse para o escritor, sendo que na abertura
seu alter ego, Yon Yonson, faz uma viagem de volta à cidade alemã.
É este o narrador da história, que faz reflexões sobre a guerra, inclusive
sobre a Guerra do Vietnã, conflito no qual o filho de Pilgrim se alista.
A narrativa fluente é composta por
fragmentos curtos, num tom de comédia e sem ordem cronológica, pois acompanha
o vai e vem temporal do protagonista. Vale destacar também a participação
do fictício escritor Kilgoure Trout, personagem presente em outras obras
de Vonnegut, que escreve livros de ficção científica. Os argumentos
de seus livros são uma atração à parte na narrativa.
O romance (adaptado para o cinema em 1972) ganhou
uma nova edição no ano passado pela Intrínseca, em comemoração aos 50 anos de
lançamento, com tradução de Daniel Pellizzari e prefácio de Antônio Xerxenesky.
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