O Grande Irmão de olho em você
O Big Brother observa a todos, controlando os
movimentos das pessoas e dizendo o que elas devem ou não fazer. As informações
são manipuladas, influenciando o comportamento dos habitantes. A prática do
sexo tem suas limitações, salvo que se consiga escapar das câmeras. O alimento
deve ser racionalizado. Os vigilantes, de uma forma geral, ficam felizes com os
índices atingidos, bem como os que detêm o comando, apesar de os números
poderem ser facilmente manipulados para alcançar resultados favoráveis. Além de
tudo isso, por qualquer motivo, as pessoas correm o risco de serem eliminadas.
Esse quadro não se refere a nenhum reality show que faz
sucesso na televisão brasileira, mas sim ao romance 1984, do
britânico George Orwell (1903-1950), autor cujos direitos
caíram em domínio público, resultando numa enxurrada de edições com novas
traduções e adaptações, inclusive em história em quadrinhos.
Quando Orwell o escreveu, em 1948, pipocavam em diversas partes do mundo
governos totalitários – comunistas ou fascistas – cuja manutenção do poder se
dava a partir de um aparato de controle sobre todos os atos dos cidadãos. Ele
imaginou, a partir de observações dessa realidade, como seria o mundo 36 anos
depois.
Numa guerra aparentemente interminável, três grandes blocos – a Oceânia,
a Eurásia e a Lestásia – lutam para dominar o restante do planeta. Winston
Smith trabalha no Ministério da Verdade da Oceânia. Sua função é apagar e
reescrever informações publicadas em jornais de acordo com o interesse do
Socing, o Partido que detém o poder, cujo líder é conhecido como o Grande Irmão.
Cartazes com o rosto do líder estão por toda parte: “bigodes pretos e feições
rudemente graves (...) uma dessas pinturas realizadas de modo a que os olhos o
acompanhem sempre que você se move. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ”. As
teletelas, presentes também em todo o lugar, além de transmitirem programas de
entretenimento, servem como câmeras que vigiam o interior das casas. Há também
pequenos helicópteros da “patrulha policial, bisbilhotando pelas janelas das
pessoas”. Winston começa a questionar a tudo isso escrevendo um diário, mas é o
envolvimento proibido dele com uma mulher o estopim que o levará a ser preso,
torturado e, através de uma lavagem cerebral, ser obrigado a voltar a obedecer
aos ditames do Partido.
Em texto escrito em 1961, o psicanalista e filósofo Erich Fromm afirma
que 1984 é uma advertência: “a menos que o curso da
história se altere, os homens do mundo inteiro perderão suas qualidades mais
humanas, tornar-se-ão autômatos sem alma, e nem sequer terão consciência disso”.
De certa forma, a “profecia” aconteceu. Somos vigiados 24 horas: há câmeras
seguindo nossos passos em estabelecimentos comerciais, repartições públicas e
até mesmo nas ruas. Se estivermos em casa acessando a internet, cada site
visitado pode ser facilmente rastreado pelo provedor, assim como as webcams podem
expor a intimidade para outros internautas. Além disso, acreditamos em um
Grande Irmão no céu que julga nossos atos.
O que nos sobra, no entanto, é resistir. E os livros, como o
romance 1984, são instrumentos importantes dessa rebeldia,
pois eles provocam no ser humano a capacidade de pensar por si mesmo. E é o
nosso próprio pensamento o melhor Grande Irmão que temos.
Cassionei Niches Petry é professor.
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